Por Merval Pereira
As contradições do governo Lula se acumulam à medida que os objetivos imediatos de recuperar a popularidade para garantir a reeleição se chocam com as promessas de campanha que não podem ser cumpridas sem criar obstáculos ao objetivo maior, que é manter o poder. Lula venceu a eleição de 2022 no pressuposto de que faria um governo de união nacional, reunindo em torno de si uma aliança suprapartidária. Na prática, temos o PT dominando as principais áreas do governo, e os representantes das demais forças políticas de centro-esquerda relegados a um segundo plano.
A barafunda criada pelo aumento do IOF é exemplar desse paradoxo. A necessidade de aumentar a arrecadação para tentar equilibrar as finanças nacionais, sem que os cortes necessários sejam feitos, faz com que o país contradiga sua intenção de entrar para a OCDE, a reunião dos países mais desenvolvidos do mundo. Ou revela que o governo Lula não tem como prioridade essa participação.
Leia maisUma das regras é a abolição gradativa do IOF, para aderir aos Códigos de Liberalização de Movimento de Capital e de Transações Invisíveis, os dois principais instrumentos da OCDE na área econômica para liberar o fluxo financeiro entre os países membros, inclusive prestação de serviços. Outra dificuldade do anúncio do aumento do IOF é a política de juros do Banco Central. O presidente Gabriel Galipolo havia anunciado que estava muito longe a análise de uma queda nos juros, mas a partir desse aumento do IOF pode ter que mudar a política, se não para uma queda, possivelmente uma estabilização. O governo que reclama dos juros é o mesmo que, aumentando o IOF, trava o consumo como se os juros tivessem aumentado em 0,5 pontos percentuais.
O aumento do IOF também afetará a classe média, que pretendia viajar para o exterior e terá seus custos aumentados. Uma classe que o governo petista precisa reconquistar para viabilizar sua reeleição.
A autorização para estudar a exploração de petróleo na foz do Amazonas, embora possa ser defendida pela melhoria econômica da região, veio em momento impróprio, quando o país organiza a COP 30 e reunirá autoridades de diversos países para tratar das mudanças climáticas numa região cuja preservação é fundamental para o mundo.
A ministra do Meio-Ambiente, Marina Silva, uma figura icônica mundialmente nessa luta, já se disse “de luto” com as mudanças na legislação ambiental que foram aprovadas no Senado, afrouxando as regras para licenciamento ambiental que, na visão dos ambientalistas brasileiros, representam o maior retrocesso já ocorrido no setor. Muitos senadores da suposta base parlamentar do governo apoiaram as medidas. Somando-se as duas medidas de flexibilização da fiscalização, o momento crítico dará muito tema para discussões e certamente protestos surgirão no caminho da COP30.
Um governo que se apresentou como a antítese do anterior, que fazia vista grossa para mineração ilegal em terras indígenas e desmatamento, trazendo de volta à cena a líder ambientalista Marina Silva, agora será criticado por não preservar o meio ambiente. A controvérsia é maior porque o trabalho do meio ambiente tem trazido bons resultados, com queda sensível do desmatamento. No ano da COP 30, Marina não pode ser demitida, e tem força política, especialmente no exterior, para criar obstáculos a esses avanços que colocam em risco o meio ambiente.
Essas contradições do governo fazem com que ele se divida em grupos, que não trabalham em conjunto. Há diversas tendências e um só objetivo, continuar no poder. Essa atitude do presidente Lula, de buscar a reeleição às custas do equilíbrio fiscal, repete sua sucessão para a presidente Dilma Rousseff, que foi ajudada de imediato com uma política econômica agressiva que fez o PIB crescer 7,5% naquele ano eleitoral, mas levou a um caos econômico que foi impossível evitar, especialmente porque a presidente eleita em 2010 acreditava, como Lula acredita, que “gasto é vida”.
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