Por Aldo Paes Barreto*
O Monumento Tortura Nunca Mais, no Recife, inaugurado em 1993, mostra em ferro e cimento atrocidades cometidas na ditadura cívico-militar instalada no Brasil, em 1964. Esse altar à democracia teve início na gestão Jarbas Vasconcelos e foi erguido na administração do conservador Gilberto Marques Paulo, (1990-1992), um dos políticos mais corretos que conheci.
Homem probo, simples, culto e honrado. Ele e Jarbas, opostos no campo político, tinham essas qualidades em comum e foram responsáveis pelo memorial, construído com apoio financeiro da Associação Brasileira de Cimento Portland, então presidida pelo empresário Fernando João Pereira dos Santos.
Lembro dessa participação porque servi como elo entre os dois quando da concretização do comodato entre a Prefeitura e a Associação, que faria sua convenção anual no Recife. O presidente da entidade, Fernando Santos, desejava uma área à beira do rio Capibaribe, junto à Ponte Limoeiro, para expor produtos do cimento. O prefeito Gilberto estava com dificuldades para construir o monumento. Não existia a verba correspondente e ele não contou com apoio do empresariado. Ninguém queria associar o nome da empresa ao monumento.
Leia maisAmigo do prefeito Gilberto Marques Paulo há mais de 20 anos, na época, estava trabalhando na formatação da TV Tribuna (1990), de propriedade do Grupo João Santos. Aproximei os dois e a Associação bancou o monumento. Conheci Fernando profissionalmente, depois ficamos amigos ou perto disso. Durante a semana programávamos a TV. Nos finais de semana, com outros amigos veranistas de Maria Farinha, jogávamos pôquer de baixo custo e tomávamos alguns uisquinhos. Duas situações onde melhor avaliamos as pessoas. Mesmo assim, o apoio dele à construção do Monumento surpreendeu. Fernando era capitalista, conservador. Mas, também, um cidadão de princípios.
Em algumas ocasiões, pude constatar esses atributos. Fernando Santos havia construído uma balsa para transportar veículos, fazendo a travessia do Rio Timbó, entre Maria Farinha e Nova Cruz. Num dos sábados, logo depois de colocar o carro na balsa, vi um casal chegar. O marinheiro foi enfático: deviam descer. A balsa não conduzia passageiros. O cidadão insistiu e disse que pagaria o mesmo que um veículo. O marinheiro irredutível falou que eram ordens do “doutor Fernando”. Achei a atitude antipática e falei ao dono.
A resposta dele me fez ver o problema sob o ângulo capitalista, no melhor conceito de Adam Smith: “Você já contou quantos barqueiros fazem aquela travessia em pequenos barcos transportando passageiros? E acrescentou: “Se a balsa concorresse com eles, aquelas pessoas quebravam…”. Fazia sentido.
Faz vinte anos que não tenho qualquer contato com o empresário Fernando Santos. Ele está no centro de uma disputa fraticida pela herança do pai. Outros herdeiros querem vender tudo a uma multinacional e ter dinheiro na mão. Ele quer manter as empresas como “seu” Santos deixou apesar das enormes dívidas que se acumularam. Com o fisco e com ex-funcionários.
A área cedida pela Prefeitura, no Capibaribe, não sei se tem alguma serventia. O ex-prefeito Gilberto Marques Paula morreu recentemente, sem pompas e quase esquecido. O monumento está lá, na Rua da Aurora, cumprindo seu papel. Fica geograficamente a uma quadra de distância da Rua da União. Contudo, nestes tempos de maniqueísmo político, de radicalismo intransigente, está a léguas e léguas da sensatez e da esperança por uma sociedade mais unida e mais próspera. Pelo menos, enquanto existir bois extraviados e boiadas apáticas à caminho do abate, marchando na contra-mão atrapalhando o tráfego.
*Jornalista
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