Por Rinaldo Remígio*
Nos dias em que a dor visita nossa porta, a vida, por vezes, nos presenteia com lampejos de luz. Foi assim que aconteceu com Magno Martins, jornalista dos bons, cronista da terra e das gentes do Sertão, que viveu recentemente um desses momentos que selam o passado ao presente com um nó apertado de emoção.
Nos funerais de sua cunhada Socorro Martins, em Afogados da Ingazeira, Magno reencontrou a professora que lhe abriu os olhos para o mundo: Elvira Siqueira. Diante dela, ele não era o colunista respeitado, autor de livros, analista político. Era o menino da sala de aula do Colégio Normal, ainda tateando as primeiras palavras, mergulhado na “santa ignorância”, como ele mesmo diz.
Leia maisCorreu ao carro, apressado, como quem busca um tesouro. Voltou com dois exemplares de seus mais recentes livros – “O Estilo Marco Maciel” e “Os Leões do Norte”. Entregou-os com as mãos trêmulas de gratidão. A professora Elvira não só o ensinou a ler e escrever. Ensinou-o a amar o que se lê, a buscar o saber como quem busca água no meio da seca.
Nessa cena singela, vi mais que um reencontro: vi um círculo que se fecha com beleza. Vi a semente, um dia lançada por mãos firmes e pacientes, transformada em fruto maduro, generoso, multiplicado em palavras, páginas, ideias. Vi a confirmação do que já dizia Rubem Alves – outro mestre das palavras: educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu. E Elvira, com sua voz doce e sua firmeza serena, mostrou a Magno o caminho das letras, da imaginação, da liberdade.
Ela foi mais que professora: foi jardineira de sonhos. Magno não se tornou apenas um jornalista por vocação – tornou-se porque alguém um dia, numa sala simples do interior, acreditou nele. E essa alguém foi Elvira.
O menino curioso de Afogados tornou-se cronista do Brasil profundo. Mas nunca esqueceu de onde veio, nem quem o ensinou a caminhar, como nos ensinou Paulo Freire: ninguém caminha sem aprender a fazer o caminho, passo a passo, tropeço a tropeço.
Essa crônica é sobre Magno, mas também é – e sobretudo – sobre Elvira. Sobre todos os Elviras que, anônimos, fazem de meninos sertanejos homens de palavra. Magno é o fruto que ela colheu com paciência. E como é bom quando o fruto volta à árvore para dizer: “fui semente em suas os.”
Que bom que Magno voltou. Que bom que Elvira estava lá. Que bom que a educação, mesmo em tempos difíceis, ainda tem seus milagres discretos.
*Professor universitário e memorialista
Leia menos