Por Jorge Henrique Cartaxo e Lenora Barbo*
Especial para o Correio Braziliense
As elites políticas do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e do Nordeste, em outubro de 1930, retiraram Washington Luiz da presidência da República, desconheceram a eleição do paulista Júlio Prestes, e passaram o poder para Getúlio Vargas que inauguraria uma era de grandes mudanças no país.
O modernismo, a técnica, o trabalhador, a indústria, a classe média, o ensino, as cidades, os sertões e o Brasil Central. Especificamente sobre a transferência da capital, temos apenas duas referências diretas: a conferência do jurista Teixeira de Freitas, no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, em 1932, “Mudança da Capital e Redivisão Territorial; e o artigo 4. das disposições transitórias da Constituição de 1934. Tudo sob a batuta envolvente, carismática, violenta e autoritária de Vargas, este personagem múltiplo da República e do Brasil.
Leia maisO Brasil, entretanto, como nos ensinou Tom Jobim, não é para principiantes. O novo príncipe do Catete, entre baforadas e um bom uísque — que passou a apreciar — teria que enfrentar, já em 1932, os constitucionalistas paulistas; a Intentona Comunista (como a batizou Assis Chateaubriand), em 1935.
Intimidados com Getúlio e exigindo a convocação de uma nova Assembleia Constituinte, a elite paulista, em 1932, mobilizou canhões, fuzis e metralhadoras. Os embates duraram de julho a outubro. Militarmente, os paulistas foram vencidos. Politicamente, não. A Constituinte foi convocada em 1933, e a gestão do governo paulista, de certo modo, voltou para as suas elites. Em junho de 1934, Getúlio Vargas foi eleito indiretamente presidente da República para um mandato de quatro anos. A nova Constituição foi promulgada em 16 de julho de 1934.
“Em Plínio Salgado, as reticências, as perplexidades, as condicionais são substituídas, à sua maneira de Mussolini e de Hitler, pelas convicções imperativas e contagiosas”, observou o escritor Carlos Malheiros ao ver, ao microfone, o grande líder e criador da Ação Integralista Brasileira, fundada em 1932. “Habillé” com suas indefectíveis camisas verde-bandeira, de brim ou de algodão, e no braço, a braçadeira branca com o sigma — letra do alfabeto grego, símbolo de uma soma —, os integralistas desfilavam pela República.
“A esquerda é a violência, o assassínio frio, o defloramento em massa, o saque organizado, o massacre, o incêndio, a blasfêmia! A direita é a união sagrada em torno da Bandeira da Pátria, das tradições nacionais, da virtude, da castidade, do heroísmo, da religiosidade”, doutrinava Plínio Salgado em textos, palavras e ações. E não eram poucas as notoriedades, além dos milhares de jovens nos quatro cantos da Pátria, que se perfilavam diante daquele senhor baixinho, magrinho, olhar sorumbático, mas orador magistral, escritor refinado e homem do seu tempo, em ideias e valores.
Por ele e suas pregações, dentre outros punhados, se encantaram: Gofredo da Silva Telles, Heráclito de Sobral Pinto, Roland Corbisier, Herman Lima, Barbosa Lima Sobrinho, Vinicius de Moraes, Augusto Frederico Schmidt, Guerreiro Ramos, João Neves da Fontoura, o ex-marinheiro João Cândido — o “Almirante Negro”, herói da Revolta da Chibata —, o ex-presidente Epitácio Pessoa e Alceu Amoroso Lima.
Miguel Reale e Gustavo Barroso, mais do que discípulos, eram auxiliares diretos de Plínio Salgado na coordenação nacional e nas conexões internacionais da AIB. Barroso, cearense filho de alemã, quando saía à rua — iluminado pelas suas dezenas de medalhas afixadas ao peito —, sempre em companhia da sua vaidade e arrogância, ocupava meio quarteirão! Merece destaque o sempre ativo padre cearense Helder Câmara. Habitualmente trazia a camisa verde sob a batina. Nas passeatas, agora sem batina, exibia uma pistola na cintura quando integrava o pelotão armado. Em algum momento, a AIB chegou a ter mais de 130 veículos jornalísticos no país, além de editoras, jornais e revistas simpáticas.
Em janeiro de 1935, em pronunciamento na Câmara dos Deputados, o deputado Abguar Bastos lançou a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Era o primeiro esforço para conter o avanço do fascismo no Brasil, a proximidade da AIB com a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini. Socialistas, comunistas, católicos, tenentistas, sindicalistas, liberais, reformistas, social-democratas, antifascistas, pacifistas e os dissidentes do getulismo em expansão se reuniram no dia 23 de março de 1935, no Teatro São Caetano, e fundaram a ANL.
Estavam lá Miguel Costa, Virgílio de Melo Franco, Campos da Paz, Abguar Bastos, Hercolino Cascado, Roberto Sisson, João Cabanas, Carlos da Costa Leite, Adão Pereira, Edgar Sussekind, Agildo Barata e Pedro Ernesto, prefeito do Distrito Federal. Os 1.300 lugares do teatro estavam ocupados. Centenas ficaram em pé, e outros tantos fora do teatro, concentrados na Praça Tiradentes.
A ampla aceitação não era de todo incompreensível. Apesar da presença de comunistas e socialistas, o programa da ANL era, tecnicamente, liberal, conservador, social-democrata. Mas a manobra dos comunistas começou naquela mesma noite. Aprovada a plataforma da Aliança, encomendaram ao jovem comunista e brilhante orador Carlos Lacerda a tarefa de lançar o nome de Luís Carlos Prestes — já clandestinamente a caminho do Brasil com Olga Benário — como presidente de honra da ANL. As mobilizações se seguiram, com ampla e crescente aceitação. Não demorou, os confrontos entre aliancistas e integralistas tomaram as ruas. De ovos, passaram a pedras, garrafas, facas e balas. Vieram as mortes. Para Getúlio, os integralistas eram aliados que não deviam crescer. A ANL os continha.
Entre um uísque e uma baforada, o caudilho, da janela do seu Palácio, contemplava. Em 5 de julho de 1935, a ANL realizou uma gigantesca manifestação. Prestes, já no Brasil, devidamente escondido e disfarçado, enviou seu manifesto. Mais uma vez, na voz do barítono de palanque Carlos Lacerda, foi lida a carta do chefe para o Brasil. Em uma palavra, o “Cavaleiro da Esperança” defendeu a insurreição armada e “todo o poder à ANL”. Ali mesmo o grupo se desfez. Em 11 de julho, Vargas tornou a Aliança ilegal com base na Lei de Segurança Nacional. Houve protestos e petições. O povo não reagiu. A Aliança Nacional Libertadora, uma promessa simpática e adequada para o momento, de certo modo inspirada pelo Partido Comunista, durou apenas três meses.
No início de 1934, Antônio Maciel Bonfim, alcunhado Miranda dentro do Partido, então secretário-geral do PC no Brasil, esteve numa reunião do Comintern, em Moscou. Ex-sargento do Exército, Miranda descreveu para o secretário da Comissão Executiva Central, Dmitri Manuilski, um Brasil pré-revolucionário, pronto para uma nova jornada “bolchevique”, como na Rússia de 1917.
Com base nesse delírio-fantasia, escalaram a jovem Olga Benário, com seus olhos claros e tristes, e uma equipe “revolucionária”. Johnny, ou Gruber, era um deles. Na verdade, um agente do Serviço Secreto Inglês, o MI-6, plantado dentro do Comintern, em Moscou. O governo inglês, Getúlio e Filinto Muller sabiam até as cores das meias que Prestes calçava ao acordar, desde a sua chegada no Rio de Janeiro, em 15 de abril de 1935.
Claro, a famosa Intentona Comunista foi um fiasco. Prestes foi preso, Olga terminou num campo de concentração nazista, os demais assessores diretos foram presos e torturados. Centenas de prisões se espalharam Brasil afora. O agente inglês ligou para Filinto Muller e ganhou a sua liberdade na primeira classe. Terminava assim o levante coordenado por Prestes, que se iniciou, inadvertidamente, no dia 23 de novembro de 1935, em Natal. Extinta a ANL, derrotados os comunistas, Getúlio cuidou de esvaziar Plínio Salgado. Depois da boa inspiração das imprudências dos comunistas, com a invenção do Plano Cohen — um inexistente novo levante comunista —, Getúlio, sempre ternurando Plínio Salgado e com o seu apoio irrestrito, preparou o golpe que aconteceria no dia 10 de novembro de 1937. Já em 3 de dezembro, ele fechou a Ação Integralista Brasileira.
“O verdadeiro sentido de brasilidade é a Marcha para o Oeste… E lá teremos de ir buscar: dos vales férteis e vastos, o produto das culturas variadas e fartas; das entranhas da terra, o metal com que forjar os instrumentos da nossa defesa e do nosso progresso industrial.”
— Getúlio Vargas, presidente
*Jorge Henrique Cartaxo é jornalista e Diretor de Relações Institucionais do IHGDF e Lenora Barbo é arquiteta e diretora do Centro de Documentação do IHGDF
Leia menos