Por Marcelo Diniz*
Em um estado onde a violência se tornou uma epidemia, a segurança pública deveria ser uma missão sagrada, tratada com a máxima urgência e isenção. No entanto, em Pernambuco, sob a gestão da governadora Raquel Lyra, observa‑se a transformação da segurança em um perigoso jogo de xadrez político.
Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025 são um soco no estômago: duas das dez cidades mais violentas do Brasil, Cabo de Santo Agostinho e São Lourenço da Mata, estão em solo pernambucano. Esta não é uma trágica coincidência; é o resultado visível de uma política que parece escolher quem proteger e quem abandonar com base no mapa das alianças eleitorais.
Leia maisA postura do governo estadual, em um ano que antecede as eleições, sugere uma estratégia fria e calculista: usar a vida dos cidadãos como moeda de troca para isolar e prejudicar prefeitos que não rezam na cartilha da governadora. Os casos do Cabo de Santo Agostinho e de São Lourenço da Mata não são falhas de gestão; parecem ser projetos de abandono, onde a intransigência do Palácio do Campo das Princesas deixa um rastro de sangue e medo, com o objetivo claro de minar adversários políticos.
Cabo de Santo Agostinho: O Grito Ignorado da Cidade Mais Violenta
O Cabo de Santo Agostinho ostenta o título de município mais violento de Pernambuco e o quinto do Brasil. Diante de uma carnificina diária, o prefeito Lula Cabral (SD) fez o que qualquer gestor responsável faria: pediu socorro. Ele solicitou formalmente que a governadora intermediasse o envio da Força Nacional de Segurança. A resposta de Raquel Lyra foi um tapa na cara da população cabense. Em público, ela negou o pedido, alegando que seu programa de segurança era um sucesso e que o estado tinha “absoluta condição de enfrentar a criminalidade”.
A declaração da governadora não apenas ignora a realidade brutal das ruas, como foi desmentida por suas próprias ações. Pouco tempo depois, o governo Lyra assinou o compromisso “Construindo Planos de Prevenção”, uma parceria com a ONU para ajudar municípios a combater a violência. A contradição é gritante. Se a situação está sob controle, por que pedir ajuda à ONU? E, se a ajuda é necessária, como justificar a exclusão justamente do Cabo de Santo Agostinho, a cidade mais violenta do estado, da lista de beneficiados? A lógica é perversa e transparente: para a cidade governada pelo prefeito adversário, nem o socorro da Força Nacional, nem a assistência técnica da ONU. A mensagem é clara: a segurança no Cabo é um problema do prefeito, não do estado.
São Lourenço da Mata: A segurança como arma de retaliação
Se no Cabo a estratégia foi a da omissão, em São Lourenço da Mata, a sexta cidade mais letal do país, a ação da governadora foi de ataque direto. Governada por Vinícius Labanca (PSB), um adversário político declarado, a cidade foi alvo de uma manobra que beira a crueldade. Sem qualquer diálogo ou justificativa técnica, a governadora assinou um decreto para transferir o único batalhão da Polícia Militar do município para a vizinha Camaragibe, administrada por um prefeito aliado dela.
A decisão era tecnicamente indefensável. São Lourenço da Mata tem mais homicídios e uma geografia mais complexa que Camaragibe. A medida foi universalmente entendida como uma punição política. A reação foi tão avassaladora que uniu oposição e até mesmo aliados da governadora, como o deputado federal Eduardo da Fonte (PP), que condenou a medida e pediu que ela fosse revogada. Pressionada e desmoralizada, Raquel Lyra foi forçada a recuar. A manobra para salvar as aparências — manter o batalhão em São Lourenço da Mata e prometer um novo para Camaragibe — não apaga a intenção original. O governo testou os limites de até onde poderia ir para punir um adversário político, usando a segurança de mais de 110 mil pessoas como arma.
O Palanque Acima da Vida
Os dois casos revelam um padrão assustador. A segurança pública em Pernambuco deixou de ser um direito para se tornar uma concessão. Recursos, efetivo e programas são distribuídos não com base na mancha criminal, mas no mapa político‑eleitoral. A governadora parece mais preocupada em fortalecer aliados e asfixiar adversários do que em proteger a população. A ironia suprema é que o prefeito de Camaragibe, Diego Cabral, a quem a governadora tentou beneficiar, foi eleito usando massivamente a imagem de João Campos, o prefeito do Recife, em sua campanha. Isso desnuda o desespero político: vale até premiar o antigo aliado do seu maior rival para tentar fraturar a base inimiga.
Enquanto o jogo político é jogado nos gabinetes com ar‑condicionado, a população do Cabo de Santo Agostinho e de São Lourenço da Mata vive sob o terror. A intransigência da governadora não é um sinal de força, mas de uma perigosa desconexão com a realidade e de falta de apreço pela vida humana. Deixar duas das cidades mais violentas do Brasil à própria sorte para atingir prefeitos não alinhados é mais do que má gestão; é uma escolha deliberada que custa vidas. A segurança do povo pernambucano não pode esperar pelo calendário eleitoral nem ser refém de disputas de poder. É preciso dar um basta. A paz não pode ser uma moeda de troca.
*Empresário e empreendedor social
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