Por Johanns Eller
Blog de Malu Gaspar – O Globo
A inclusão de um prefácio assinado pela governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), no anuário “Brasil em Números” do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi uma contrapartida pela ajuda financeira da gestão pernambucana para viabilizar sua veiculação na forma impressa. Ao menos é essa a justificativa do presidente do instituto, Marcio Pochmann, para dar um espaço à política em uma publicação oficial do IBGE.
A situação inédita na história do anuário, publicado desde 1992, provocou protestos internos na instituição já abalada por uma crise de confiança em relação à gestão de Pochmann. O caso veio à público também por meio de uma carta assinada por servidores em cargos de chefia que disseram ter opinado contra a inclusão do texto, mas teriam sido ignorados pela cúpula do instituto.
O “Brasil em Números” é uma publicação bilíngue que serve como uma espécie de guia do país, usado particularmente para apresentar o país aos estrangeiros. É distribuído em repartições públicas, embaixadas, consulados e eventos internacionais, entre outros ambientes.
Leia maisO prefácio da governadora pernambucana, em inglês e português, celebra estatísticas de sua administração e outros feitos de sua gestão, como os programas “Morar Bem” e o “Bora Empreender”. No texto, Raquel diz que “política boa” é feita “com senso de união e atenção às necessidades” da população, e que seu governo está trabalhando para “romper ciclos de pobreza e desigualdade” e “dar assistência a quem ainda sofre com essa realidade”.
Ao ser questionado sobre o assunto em uma entrevista coletiva na última quarta-feira (29), o presidente do IBGE se justificou: “Demos ontem o Brasil em Números, que é uma publicação já longeva da instituição, importantíssima, porque ela traduz em síntese informações [sic]. Todavia, nós não tínhamos dinheiro para publicar. Nós fizemos, portanto, em pareceria com o Banco do Nordeste, com a Sudene [Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste] e com o governo do estado de Pernambuco.”
E completou: “O que nós fizemos? Na apresentação nós demos um espaço para que essas instituições que colaboraram para que pudéssemos tornar pública essa informação na forma impressa a possibilidade deles informarem administrativamente como eles trabalham. E entendemos que não há nenhum ferimento à forma que nós entendemos de tornar os dados públicos à nação [sic]”.
A indicação de que o texto de propaganda de Raquel Lyra foi publicado em troca de patrocínio provocou indignação entre servidores do IBGE, segundo os quais nunca houve esse tipo de troca em publicações técnicas.
“A imparcialidade é um princípio caro ao IBGE e, dentre outras coisas, inclui a manutenção de “distanciamento” de governos, partidos políticos e interesses privados que possam comprometer a credibilidade das informações. O Pochmann não entendeu nada”, diz um experiente funcionário do IBGE.
No entanto, procurados pela equipe do blog, tanto o Banco do Nordeste quanto a Sudene contradisseram a fala de Pochmann.
A superintendência, em nota, afirmou não ter contribuído financeiramente com o anuário, mas disse ter firmado em 2024 um acordo de cooperação técnica que prevê a disponibilização de dados e estatísticas com recortes regionais, além de qualificação de pessoal, o que culminou na inauguração do espaço Casa Brasil IBGE Sudene, em Recife (PE).
“O IBGE lançou o anuário no Recife, como fez em outras capitais, seguido de um seminário para discussão dos dados realizado em parceria com a Sudene. Este evento, realizado no dia 29/01, contou com apoio da autarquia. E as duas instituições pretendem lançar uma edição do documento com recorte regional, unindo esforços de suas equipes técnicas e de outros atores importantes para a região”, completa a nota.
A Sudene é comandada pelo ex-deputado federal Danilo Cabral (PSB), que foi candidato a governador em 2022 mas acabou de fora do segundo turno vencido por Raquel Lyra – que, embora tucana, tem feito acenos ao governo Lula e cogita se filiar a um partido da base, como o PSD, de olho na reeleição em 2026.
Na mesma linha, o Banco do Nordeste, presidido pelo ex-governador de Pernambuco Paulo Câmara (sem partido), também negou ter feito aportes financeiros.
“O banco participou da produção com o prefácio destacando a importância de dados técnicos para elaboração de políticas públicas no Brasil. Ademais, continua à disposição para contribuir com seus dados e estudos sobre sua área de atuação, produzidos especialmente por seu Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste, para esta ou outras publicações que tratem de pesquisas sobre a economia da região”, completou.
Nós questionamos o governo de Pernambuco na última segunda-feira para esclarecer se a gestão Lyra ajudou a financiar o anuário impresso, mas não houve retorno até a publicação dessa reportagem. O espaço segue aberto.
Procurado pela equipe do blog, o IBGE também não esclareceu quanto dinheiro recebeu e se aportes financeiros de parceiros para a publicação do anuário são de praxe até o fechamento da matéria, tampouco o custo do periódico. O texto será atualizado caso haja manifestação do instituto.
Os prefácios assinados pelo Banco do Nordeste e pela Sudene são mais enxutos e tratam mais da importância do Brasil em Números para a elaboração de políticas públicas do que sobre as instituições em si. O banco elogia o anuário e diz que a instituição financeira “tem sido um agente fundamental” na promoção do empreendedorismo e na “redução das desigualdades regionais”. As introduções são assinadas por Paulo Câmara e Danilo Cabral, respectivamente.
Nunca antes na história do IBGE
A inserção de um texto assinado por um político do Executivo no periódico do IBGE não ocorreu nem sob o governo Jair Bolsonaro, quando o instituto também passou por períodos turbulentos com o adiamento do Censo e apreensão quanto à possibilidade de manipulação das estatísticas oficiais para favorecer a gestão do ex-presidente.
O episódio foi relatado em uma carta assinada por Ana Raquel Gomes da Silva, da Gerência de Sistematização de Conteúdos Informacionais, e Leonardo Ferreira Martins, da Gerência de Editoração. No texto, os dois alertam sobre o risco da abertura de um precedente sobre conteúdos de conotação política em publicações técnicas foram recebidos com “solene indiferença” por parte da gestão atual.
Pochmann foi questionado na coletiva do dia 29 em função da carta, que se soma a outras duas publicadas desde o mês passado diante do imbróglio da Fundação IBGE+, entidade pública de direito privado apresentada como carro-chefe da gestão Pochmann que rachou a instituição e acabou suspensa pelo Ministério do Planejamento.
A polêmica da fundação provocou uma mobilização inédita na história do instituto, materializada em uma carta com 651 assinaturas, das quais 289 de quadros em cargos de chefia, na qual Pochmann é apontado como autoritário pela imposição de agendas como a entidade de direito privado e outras decisões interna.
O caso do prefácio de Raquel Lyra ajudou a colocar lenha na fogueira internamente e ampliou o desgaste de Pochmann.
Conforme publicamos no blog na última sexta, outro manifesto foi divulgado, dessa vez por integrantes da área de comunicação, e subscrito por mais de 400 funcionários. Nela, Pochmann é acusado de usar o cargo para se promover politicamente e não para reforçar a missão do instituto de produzir estatísticas confiáveis.
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