Maílson esteve à frente do Ministério da Fazenda de 1988 a 1990, durante o governo de José Sarney. O especialista diz que Lula precisa ter “calma” e “serenidade” para lidar com o imbróglio envolvendo o presidente dos EUA.
“O presidente Lula deveria se afastar de bater boca com Trump pelos microfones. É só lembrar que ele chamou Trump de ‘irresponsável’ em uma entrevista lá na reunião do Brics”, declara.
Para o ex-ministro, a nova tarifa tem caráter eminentemente político. “Isso é indiscutível. Aliás, esse ponto torna muito difícil a negociação do Brasil com o governo americano. Porque você não tem o que negociar. O Brasil não pode negociar a sua soberania. Não pode negociar a independência dos poderes nem a democracia nacional, enquanto os outros países vão negociar comércio”, declara.
O economista avalia a carta em que Trump anunciou a nova taxação sobre o Brasil como uma “chantagem”. O líder norte-americano justificou o aumento da tarifa pelo tratamento que o governo brasileiro deu ao ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro (PL), a quem disse respeitar “profundamente”.
“No caso do Brasil, é uma aberração completa, porque a imposição da tarifa de 50% não obedece ao mínimo das regras e das praxes desse processo, que é o interesse comercial. O interesse de Trump é obrigar o país a suspender ou renunciar ao processo que examina a tentativa de golpe de Bolsonaro e a turma dele em 2022. Isso seria um atentado à soberania nacional, sem dúvida alguma, porque a carta dele é endereçada ao presidente Lula e diz que o processo deve parar imediatamente”, declara Maílson.
O ex-ministro argumenta que o sistema de governo brasileiro se inspira no próprio modelo norte-americano ao prezar pela separação dos Poderes, bem como pela harmonia entre eles. “Lula não tem o poder, como a gente sabe, de determinar que o Supremo Tribunal Federal arquive o processo contra Bolsonaro e a turma dele”, declara.
Maílson diz que o discurso de Trump “prejudica os interesses da direita”, pois, na sua visão, não há como culpar Lula pela elevação tarifária. O ex-ministro responsabiliza Bolsonaro. Um dos filhos do ex-presidente, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) está nos EUA. “Há várias indicações de que foi uma coisa arquitetada pelo clã de Bolsonaro, mandou o filho [aos EUA] para isso”, afirma.
Tarcísio de Freitas
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), também chegou a se manifestar sobre a medida tomada por Trump em relação ao Brasil. Chegou a dizer que Lula precisaria negociar com a Casa Branca.
“O próprio Tarcísio está numa situação complicada porque ele andou desfilando com o chapéu do Trump. A primeira reação dele foi condenar Lula e agora, ele já começou a mudar. Teve contato com a Embaixada dos EUA para pedir para baixar a tarifa. E na verdade, esse tipo de entendimento não é feito com governos estaduais, que não têm papel na diplomacia econômica, nem de outra natureza”, declara.
Protecionismo
Maílson avalia que o protecionismo “não é uma estratégia de política econômica equivocada”, mas que deve haver um limite de tempo para ser usado. Há queixas do governo norte-americano em relação à política comercial brasileira.
“Na regra do comércio internacional, na OMC, admite-se o protecionismo em certas circunstâncias. Só que tem que ter um tempo limitado de vigência e não pode ser eterno, como tem sido no Brasil, por exemplo. A indústria automobilística brasileira ainda é protegida depois de mais de 70 anos de operação no Brasil”, declara.
O especialista diz que Trump “tem razão” no que diz respeito ao longo período de proteção a alguns setores no Brasil, mas declara não haver justificativa plausível para a ação norte-americana. “O que está acontecendo com a política de tarifa do Trump é algo inédito na história da economia mundial. Ou seja, o uso da tarifa como arma para impor condições, chantagear, exigir rendição e assim por diante. E uma maluquice maior ainda é a tarifa recíproca”, avalia.
Copia e cola
Trump enviou 23 cartas destinadas a líderes de países comunicando a aplicação de tarifas. Uma delas foi para Lula, anunciando a taxação.
Grande parte das cartas é parecida. A do Brasil difere por citar o julgamento de Bolsonaro, mas todas as 23 correspondências contêm um trecho quase idêntico.
O presidente dos EUA diz haver déficit comercial com o Brasil. Os números, porém, mostram o contrário: os norte-americanos têm uma relação superavitária com o comércio brasileiro.
Isso significa que os EUA mais vendem do que compram dos brasileiros. “Tudo indica que os últimos parágrafos da carta são os mesmos para todas as outras, onde os EUA são deficitários. Com o Brasil, é superavitário. Esse é o primeiro erro, primário. Faltou um revisor para checar. Os termos da carta se desmoralizam não só do ponto de vista da soberania do país atingido, mas do ponto de vista de questões comezinhas como essa”, declara Maílson.
Prejuízo aos norte-americanos
Na sua avaliação, a medida também é danosa aos norte-americanos por sobretaxar itens que fazem parte do dia-a-dia do consumidor. “Os produtos vão ficar mais caros e isso vai significar inflação [nos EUA]. Em outros casos, a alta tarifa pode tornar inviável o comércio entre o país atingido e os Estados Unidos”, declara.
Maílson cita o suco de laranja como um dos produtos prejudicados. “O Brasil é o maior exportador mundial de suco de laranja e responde por 70% da demanda de suco de laranja no território americano. Com 50% de tarifa, ficará inviável exportar esse produto. E, como você sabe, o suco de laranja é parte essencial do café da manhã dos americanos e vão ficar sem suco de laranja”, declara.
Moeda única
Em 4 de julho, Lula mencionou duas vezes em sua fala a necessidade de se usar uma alternativa ao dólar no comércio entre os países integrantes do Brics. Na primeira, citou as transações financeiras em moedas locais, mas na segunda, disse que precisava avançar na discussão de uma nova moeda.
As declarações foram dadas durante discurso do petista na abertura da reunião anual do NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), conhecido como banco dos Brics, no Rio.
Maílson afirma que a ideia de uma moeda local irrita o líder norte-americano sem razão. “Trump está equivocado e o discurso da moeda local também está equivocado. Você não tem como destronar uma moeda da importância do dólar. Isso leva décadas, até séculos para acontecer”, declara.
A avaliação do economista é que a adoção de uma transações com moedas locais pode ser “prejudicial” ao Brasil.
“Por exemplo, quando uma empresa brasileira exporta, o país quer ficar com os dólares. Imagina se o Brasil tivesse superávit com a Etiópia. A gente vai ficar com a moeda da Etiópia? Ou vai ficar com a moeda do Irã? Ou mesmo da Índia? Não. O interesse do país é receber em dólar. É tanto que nos acordos de uso de moeda local, há cláusula que de tempos em tempos, dois, três meses, você faz um encontro de contas e quem for deficitário paga em dólar e quem for superavitário, recebe em dólar”, declara.
“Você não tem permanente uso da moeda. Eu acho que o governo brasileiro deveria estudar isso com muito cuidado porque a moeda local pode até favorecer os negócios, mas ser prejudicial porque o Brasil deixa de receber moeda forte nas suas operações de comércio exterior”, conclui.
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