Maria Eduarda Barbosa Matos de Oliveira*
Entre audiências que esgotam e plantões que desafiam o corpo e a alma, entre ruas de barro quente e tribunais onde o tempo às vezes parece suspenso, nasceu um livro que é, antes de tudo, uma tentativa de escuta. “Do lado de dentro da cidade que sussurra” é minha estreia na literatura de ficção — e, embora assuma a forma de romance, foi gestado entre luto, saudade e muitos anos de experiência como advogada militante.
Escrevi como quem precisa respirar. E dedico esta obra ao meu avô, José Dinamérico, que me ensinou, com generosidade e firmeza, que justiça se busca também com ternura — e que estudar, escutar e permanecer são formas de luta.
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Ambientado em Caruaru, no Agreste pernambucano, o livro atravessa os bastidores do sistema de Justiça e da saúde pública com a lente de quem convive com suas falhas e resistências. Mas o que poderia ser apenas um relato duro, técnico ou institucional se transforma em narrativa sensível — guiada pela escuta, pela observação cotidiana e por uma poesia que cultivo, em silêncio, desde os dez anos.
Maria, a protagonista, é Defensora Pública. É mulher, filha, cuidadora — uma dessas figuras que seguram o mundo nos braços enquanto tentam lembrar quem são. João, médico recém-chegado ao hospital da cidade, cruza o caminho dela num tempo em que ambos já não esperavam muita coisa. O romance entre os dois não é o centro da trama, mas é uma espécie de promessa: a de que ainda é possível encontrar alguém que não vá embora quando tudo parece desabar.
A cidade, Caruaru, não é apenas cenário — é também personagem. Sussurra, acolhe, empurra. Com seus becos, suas instituições corroídas e seus cafés servidos com resistência, revela um Brasil que se vê pouco, mas que pulsa fundo. Logo no preâmbulo do livro, escrevo: “A Defensoria não é fábula. É faxina institucional. Lugar onde o nome vira número, mas o número insiste em voltar a ser nome.”
O livro não tem pretensão de oferecer respostas. Ele se detém, isso sim, no que muitas vezes escapa aos autos: a pausa, o cuidado, o gesto miúdo. Fala da vida de quem cuida e se dissolve no outro. Fala da ternura como força — não como fraqueza.
“Do lado de dentro da cidade que sussurra” conversa, de forma modesta, com autores que admiro imensamente — como Conceição Evaristo, Mia Couto, João Cabral de Melo Neto e Graciliano Ramos. Mas é, sobretudo, fruto de um olhar atento ao cotidiano e de uma tentativa de registrar, com delicadeza, o que não costuma caber nos processos judiciais.
Ao longo dos 20 capítulos, o livro propõe uma escuta: do outro, da cidade, de si. A intimidade se constrói nos silêncios compartilhados, na roupa estendida, no pão de queijo deixado na mesa, nas mãos que seguram o tempo quando ele parece falhar. Maria e João não vivem uma história extraordinária. Vivem — e isso já é muito.
Se há algo que este livro deseja, é lembrar que a permanência, mesmo silenciosa, pode ser o gesto mais amoroso de todos. Que cuidar também é um verbo político. E que algumas histórias, mais do que serem lidas, precisam ser escutadas com o coração.
Serviço:
“Do lado de dentro da cidade que sussurra”
Autora: Maria Eduarda Barbosa Matos de Oliveira
Disponível no site Clube de Autores
*Advogada e escritora
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