Por Cláudio Soares*
A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que impôs prisão domiciliar ao ex-presidente Jair Bolsonaro sem provocação da Procuradoria-Geral da República (PGR) ou representação de autoridade policial, aponta possíveis excessos do STF e violações ao devido processo legal.
A medida, decretada de ofício por Moraes, não tem previsão legal de acordo com o Código de Processo Penal (CPP), a decretação de medidas cautelares, especialmente aquelas que envolvem privação de liberdade, exige requisitos formais claros: ou a manifestação da autoridade policial ou a provocação do Ministério Público.
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No processo penal brasileiro, não cabe ao juiz agir de ofício para decretar prisão ou medidas substitutivas, como a prisão domiciliar, sem requerimento prévio. Quando isso ocorre, há flagrante violação ao princípio da imparcialidade do juiz e ao sistema acusatório.
Outro ponto levantado é que a prisão domiciliar, ao contrário do que vem sendo tratado em algumas decisões recentes do STF, não é uma medida cautelar autônoma – como o uso de tornozeleira eletrônica ou proibição de contato com outros investigados.
Trata-se, segundo o CPP, de uma forma substitutiva da prisão preventiva, cabível apenas quando há razões médicas, idade avançada, ou outras condições pessoais específicas do réu, que não se aplicariam diretamente a Bolsonaro.
Além disso, a ausência de manifestação da PGR aponta questionamentos sobre o protagonismo judicial excessivo do Supremo em casos penais. A Procuradoria, responsável por conduzir a ação penal, sequer foi ouvida antes da decisão de Moraes, o que fere frontalmente o sistema acusatório previsto na Constituição Federal.
A defesa do ex-presidente deve articular recursos, apontando a nulidade da decisão e violação de garantias fundamentais. Não se combate a ilegalidade com mais ilegalidade. O STF tem extrapolado suas funções, atuando como investigador, acusador e julgador ao mesmo tempo.
Para analistas políticos, a decisão de Moraes pode aumentar a tensão institucional entre Judiciário e setores conservadores da sociedade, que veem no STF um ator político, e não apenas jurídico.
A crise revela uma inquietante inversão de papéis no sistema de Justiça brasileiro. Se, de um lado, a impunidade deve ser combatida, de outro, é imprescindível que qualquer processo respeite os limites constitucionais, garantindo a imparcialidade e a legalidade das decisões. Caso contrário, o que se pretende combater – o abuso de poder – passa a ser, ironicamente, praticado por quem deveria impedi-lo.
*Advogado criminalista e jornalista
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