Quando analisada a variação do apoio entre 2023 e 2024, a maior queda ocorreu a partir do posicionamento da bancada do PSD na Câmara. No primeiro ano de gestão petista, o partido tinha índice de apoio ao governo de 86%, mas em 2024 foi de 77%, diminuição de nove pontos percentuais.
A legenda tem se rebelado contra o Planalto por considerar que está sub-representada na Esplanada dos Ministérios. Apesar disso, o partido tem o comando das pastas de Agricultura, Minas e Energia e Pesca.
Os deputados do PSD reclamam de terem ficado com o Ministério da Pesca, que é de menor expressão. Há uma reivindicação para que um deputado do partido assuma o comando do Turismo, mas a pasta está com o União Brasil, que resiste a entregá-la.
— O governo não vai bem na economia, o que gera uma expectativa de derrota na eleição ano que vem. Isso causa um distanciamento. Além disso, não existe diálogo entre a Secretaria das Relações Institucionais e os parlamentares — pontua o deputado Reinhold Stephanes (PSD-PR), vice-líder do partido e um dos signatários do pedido de urgência para o PL da anistia ao 8 de Janeiro.
Já o União Brasil registrava 71% de taxa de apoio em 2023 e passou a ter 67% no ano seguinte, o menor patamar de apoio ao governo entre os partidos de centro.
Embora a variação negativa seja de apenas quatro pontos percentuais, parlamentares indicam que o ambiente na bancada é de disputa interna e insatisfação em relação ao governo. O calendário para 2026 também desperta tensões, com parte dos deputados pressionando pela saída da base.
— A pauta econômica nos une, a dos costumes nos separa. (Nossa posição) depende do que vem (para ser votado) — afirma Elmar Nascimento (União-BA).
Mesmo sendo vice-líder do governo, o deputado José Nelto (União-GO) reclama do Palácio do Planalto. Assim como Stephanes, ele foi um dos que assinaram o pedido de urgência para a anistia:
— O governo está meio desorganizado, não articula. A coordenação política e o atendimento nos ministérios é muito ruim.
O debate sobre a anistia e a adesão de partidos da base ao pedido de urgência fez com que a equipe da ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, atuasse para tentar repactuar os acordos políticos com as siglas, inclusive com a redefinição de cargos de segundo escalão.
Protocolado, mas ainda não deliberado, o requerimento conta com 262 assinaturas, cinco a mais do que o mínimo necessário. Do total de apoios, 146 são de deputados de partidos com cargos no governo. Se aprovado, o instrumento permite que o texto seja votado diretamente no plenário, sem passar pelas comissões.
‘Gradativo abandono’
No levantamento feito pelo GLOBO, o MDB também aparece com uma redução na taxa de fidelidade ao governo: passou de 81% em 2023 para 77% em 2024, uma diminuição de quatro pontos.
Já o PP recuou um ponto, de 76% para 75%. O líder da bancada na Câmara, Doutor Luizinho (RJ), minimizou a variação de um ano para o outro:
— É margem de erro. Não vejo qualquer problema.
A exceção foi o Republicanos, que passou de 77% para 81%, com quatro pontos a mais na taxa de apoio. O partido indicou Silvio Costa Filho para o Ministério de Portos e Aeroportos, político com boa interlocução com a bancada.
União Brasil e PP fizeram acordos para entrar no governo ainda na transição e ocupam pastas desde o início do governo. Já PP e Republicanos só aderiram à base em agosto de 2023.
Leandro Consentino, professor do Insper, avalia que o tempo é exíguo para o governo contornar a situação. Isso porque as legendas já estão debatendo o cenário político e apoios para 2026: — É um gradativo abandono de parte dos parlamentares do Centrão com relação ao governo. Isso denota que a articulação política ainda está ruim. Havia uma reforma ministerial prometida para o início deste ano que segue em compasso de espera, e a expectativa era de que esses partidos tivessem mais espaço.
Para o cientista político Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a base de Lula é volátil e frágil. As razões passam pela falta de identificação com o governo por parte dos partidos e, sobretudo, pela falência do chamado presidencialismo de coalizão.
— O sistema que vinha funcionando era o do presidencialismo de coalizão, um jogo em que preponderava o Executivo na relação com o Legislativo, com uma relação bastante fisiológica. Desde o governo (Michel) Temer, houve um crescente deslocamento do eixo do poder para o Legislativo, que se acentuou com as emendas impositivas. O Legislativo ganhou autonomia em relação ao Executivo e tornou-se mais difícil formar uma base fiel — conclui Fornazieri.
Derrotas emblemáticas
Desde o início do terceiro mandato de Lula, o governo colheu derrotas emblemáticas, como na votação que acabou com a saída temporária de presos, as chamadas saidinhas, e a proposta que instituiu o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Congressistas também mantiveram, em maio do ano passado, veto do ex-presidente Jair Bolsonaro que dificulta punição à disseminação de fake news. A aprovação de todas essas matérias só foi possível com o apoio de partidos que comandam ministérios.
Ainda que o segundo semestre de 2024 tenha registrado a aprovação de itens da pauta econômica do governo, com compromisso de apoio desses partidos, isso não foi o suficiente para que as quatro siglas melhorassem a adesão em relação ao ano anterior.
O governo não conseguiu votar nenhuma pauta de sua lista prioritária neste ano, como a regulamentação das redes sociais, isenção do Imposto de Renda e o Plano Nacional de Educação. Outra dificuldade é emplacar a Proposta de Emenda à Constituição da Segurança Pública, que amplia os poderes da União.
Votações importantes em que o Planalto saiu derrotado:
‘Saidinha’ de presos: Com forte ajuda das siglas de centro que compõem a base, a Câmara derrubou, em maio do ano passado, o veto do Planalto ao projeto que proíbe a saída de presos em datas comemorativas. O veto havia sido orientado pelo Ministério da Justiça, que considerou a proibição contrária ao princípio da dignidade humana que está na Constituição.
Marco temporal: Em maio de 2023, a Câmara impôs derrota ao governo ao derrubar o veto de Lula contrário ao marco temporal das terras indígenas. Com isso, passou a valer a tese de que os povos originários só têm direito à demarcação de terras que já eram ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Fake news eleitorais: O Congresso manteve, em maio de 2024, vetos do ex-presidente Jair Bolsonaro a trechos da Lei de Segurança Nacional (LSN), entre eles, um que trata da criminalização de fake news eleitorais. Foram 139 votos para derrubá-lo, e 317 para mantê-lo. O artigo visava a combater a disseminação em massa por aplicativos de mensagem.
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