Armando Monteiro diz que a decisão de Trump de elevar as tarifas sobre produtos que entram nos EUA era esperada. Para o industrial, o que surpreendeu foi a maneira como se deu.
“Ninguém imaginava que esse processo pudesse acontecer de forma tão descoordenada, tão inadequada, como veio a se realizar. Ou seja, um movimento generalizado de aumento de alíquotas. Critérios que são muito pouco compreendidos em relação ao que determinou o tamanho dessas alíquotas e, sobretudo, um quadro que parece que aponta para uma lógica em que você faz as ameaças e, ora, recua”, declarou.
Completou, dizendo: “Em suma, há um quadro aí de grande incerteza em relação a como vai ficar esse cenário. Eu creio que já se pode contabilizar prejuízos nessa situação”.
Setor automotivo
Só o setor automotivo brasileiro exportou US$ 1,7 bilhão para os EUA em 2024. O valor corresponde, sobretudo, a autopeças. Representou 12,4% do total exportado para o mundo no ano passado. Os dados são da Secretaria de Comércio Exterior do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).
“O comércio automotivo brasileiro se localiza na América Latina. Nós temos um nível razoável de exportações aqui para a América do Sul e, como eu disse, um acordo automotivo com o México. Nas nossas vendas para o mercado americano, sim, nós seremos afetados no que diz respeito a autopeças – o Brasil tem um volume razoável de exportações para o mercado americano. Aí é possível que sejamos impactados. Mas, ao que parece, os nossos concorrentes também sofrerão”, avaliou.
Guerra comercial
Na última terça-feira (15), a Casa Branca anunciou que a China poderá enfrentar tarifas de até 245% sobre alguns produtos que são exportados para os EUA como “resultado de suas ações retaliatórias” na guerra comercial entre os dois países. “Numa guerra comercial como essa, ninguém ganha verdadeiramente. Alguns poderão, no curto prazo, sofrer de forma menos intensa os efeitos desse processo. Mas, no fundo, todos perderão”, disse Armando.
O empresário diz haver “grande apreensão” sobre os efeitos da guerra comercial que Trump travou com a China no mundo: “Essas duas economias representem mais de 40% do PIB global. Ora, quando essas economias assumem uma posição de guerra aberta, isso causará severo reflexo nos fluxos comerciais, afetando o comércio internacional”.
Oportunidades
Armando Monteiro Neto avalia que alguns setores da economia brasileira podem tirar vantagem do tarifaço. As commodities agrícolas seriam beneficiadas, na sua visão. “Os Estados Unidos concorrem de forma direta contra o Brasil nessa área das commodities agrícolas, sobretudo na soja. Os chineses compram também soja aos Estados Unidos. Na medida em que agora essas tarifas foram tão severamente, tão drasticamente elevadas, é evidente que o Brasil poderá ganhar espaços a curto prazo, sobretudo nas exportações de soja”, afirmou.
“Marco fiscal é frágil e Brasil precisa de novo regime”
Armando defende que uma nova regra fiscal seja instituída. O empresário disse que o marco fiscal “se revelou frágil” e que o Brasil “precisa efetivamente inaugurar um novo regime” relacionado ao controle de despesas. “É preciso que o Brasil promova um novo arranjo macroeconômico de forma a equilibrar melhor a política fiscal com a política monetária”.
Em 31 de agosto de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a medida que substituiu o sistema de teto de gastos do governo. Armando esteve à frente do Ministério da Indústria entre 2015 e 2016, durante o governo de Dilma Rousseff (PT). De 2002 a 2010, presidiu a CNI (Confederação Nacional da Indústria).
O ex-ministro afirmou que o governo Lula tentou “estabelecer uma certa disciplina do crescimento dos gastos” ao instituir o arcabouço fiscal, mas que a alta das despesas obrigatórias – entre as quais, as previdenciárias – supera os limites estabelecidos em lei. Para ele, isso leva à necessidade de uma nova medida. “Isso será absolutamente necessário para estabilizar a dívida e garantir, portanto, melhores condições de financiamento da dívida no futuro”, disse.
Política fiscal de Lula
Armando Monteiro listou algumas ações do governo que resultaram em um “quadro de relativo desajuste fiscal”, na sua visão:
• PEC fura-teto – “Ela era necessária até um certo nível, tendo em vista que algumas áreas do governo tinham sido fortemente atingidas por conta das restrições orçamentárias, mas, a meu ver, essa PEC deve ter garantido a ampliação de gastos além do que seria necessário. Tivemos no começo, logo na entrada do governo, o impacto de uma grande expansão de gastos em decorrência da PEC da transição”;
• reindexação do salário mínimo aos pisos previdenciários – “Temos, portanto, um grande impacto da política de aumento real do salário mínimo nas contas da Previdência”;
• pisos constitucionais da saúde e da educação – “Há ainda o problema daquela indexação que vigora dos gastos na área de saúde e de educação”.
Juros e spread bancário
Armando Monteiro afirmou que o setor industrial “padece” com juros altos e elevados spreads bancários – diferença entre a taxa que os bancos pagam para captar recursos e os juros que são cobrados dos clientes. O empresário defendeu “atacar” essa agenda “estimulando uma maior concorrência entre os agentes financeiros”. “Além da taxa básica ser elevada, o juro na ponta – ou seja, quando efetivamente o setor produtivo se financia, seja a empresa, seja o consumidor –, ainda temos margens de intermediação no sistema financeiro elevadíssimas. Com isso, o custo lá na ponta é muito alto”, declarou.
Hoje, a Selic está em 14,25% ao ano. Já a taxa anualizada do juro real –quando desconta a inflação – atinge 8,79%. “O Brasil convive com juros extravagantes há muito tempo. O Brasil tem uma das taxas de juros reais mais elevadas do mundo e, portanto, os setores produtivos são penalizados fortemente por essa situação”, afirmou.
“Criação do Comitê Gestor precisa de aperfeiçoamentos”
Armando afirma que o segundo projeto de lei que regulamenta a reforma tributária deve passar por “aperfeiçoamentos”. “Esse processo terá que se encaminhar através de emendas que serão oferecidas ao texto, sobretudo considerando o cronograma dos trabalhos”, declarou.
O PLP 108 de 2024 está em tramitação no Senado depois de ser aprovado na Câmara. A proposta institui o Comitê Gestor do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência estadual e municipal. Além de estabelecer o colegiado, a proposta define normas para gerenciar e administrar esse novo imposto.
Eis os trechos que precisam de aperfeiçoamento, segundo o empresário:
• criação de um comitê executivo – funcionaria na estrutura de governança do Comitê Gestor. “Entre essa estrutura do Conselho [Superior] e da Diretoria Executiva, há a necessidade de um comitê executivo para fazer uma articulação mais efetiva”;
• instituir uma câmara de resolução de conflitos – disse ser necessário “harmonizar” as normas do processo administrativo tributário. Na sua visão, é necessário evitar, “no processo de fiscalização, a existência de autos de infração nos diversos entes da Federação”;
• prazo para recebimento de saldos credores do ICMS – defendeu abrir espaço para “a possibilidade de antecipar o pagamento desses créditos quando ocorrer aumento real da arrecadação”. Além disso, disse ser necessário “prever, por exemplo, aquelas hipóteses de securitização desses créditos, transformando em títulos públicos que deem liquidez”.
Defesa da reforma
Armando Monteiro Neto presidiu a CNI de 2002 a 2010. O empresário afirma que a indústria brasileira está bastante exposta à concorrência externa e será o setor mais beneficiado pela reforma.
“Consideramos que será um divisor de águas muito importante para reverter esse processo de relativa desindustrialização da economia brasileira. Toda a economia ganhará com a reforma, porque o país vai liberar entraves para que a economia possa crescer num ritmo maior”, declarou. O industrial listou alguns pontos:
• não cumulatividade com a criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) – “Não vai mais haver essa coisa de calcular os impostos por dentro, ou seja, um imposto integrar a base de cálculo de outro imposto.”;
• desoneração de investimentos e das exportações – “É um sistema que se alinha com as melhores práticas internacionais do IVA, pagando só sobre o valor que se adiciona à produção”.
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