Por Maurício Rands*
Uma parcela da opinião pública erigiu o STF em “inimigo público ficcional”, na expressão do jurista Georges Abboud. Uma primeira linha de acusação imagina que STF e governo agem em conluio. Será? Tome-se a questão da oportunidade da decisão de Alexandre de Moraes em 18/07/25, ratificada pela 1ª Turma, que determinou medidas cautelares contra o ex-presidente Bolsonaro. A aprovação de Lula vinha se recuperando.
Primeiro, pelo debate sobre justiça tributária que se seguiu à rejeição do Congresso Nacional a medidas propostas pelo governo para combater supersalários, tributar superricos e reduzir o desequilíbrio fiscal com receitas tipo IOF. O mesmo CN que aumentara suas despesas com emendas e com a criação de 18 novas cadeiras na Câmara. Depois, a recuperação de Lula nas pesquisas de opinião ganhou tração quando o presidente americano atacou a economia brasileira e os próprios ministros do STF em chantagem contra o que chamou de “caça às bruxas” contra o “bom rapaz”.
Leia maisO Ataque de Trump foi qualificado pela revista The Economist como a interferência mais profunda na América Latina desde a Guerra Fria. A reação do governo em defesa da soberania, da economia e das instituições nacionais foi bem avaliada pela opinião pública. Ao mesmo tempo a reação pífia e subserviente de oposicionistas como os governadores Tarcísio de Freitas e Romeu Zema, ou de senadores como Flávio Bolsonaro, foi mal digerida pela sociedade. Por todos esses fatores de recuperação de sua imagem, o governo não teve a ganhar quando o ministro Alexandre de Mores mandou colocar tornezeleira no ex-presidente e o proibiu de continuar postando nas redes sociais. O debate foi desviado de temas que estavam favorecendo o governo perante a opinião pública.
Ademais, o ex-presidente estaria sendo vitimizado às vésperaas de sua condenação definitiva. Difícil imaginar conluio com o STF que tomou medidas que não eram do interesse estratégico do governo.
Uma segunda linha de acusação imagina que o STF invariavelmente decide sem respeitar a legislação processual e as garantias fundamentais. Analisemos, então, as recentes decisões do ministro Alexandre de Moraes em desfavor do ex-presidente Bolsonaro. Primeiro, a do dia 18/07, que atendeu requerimento do PGR para determinar medidas cautelares diversas da prisão preventiva.
No Inquérito 4995 constatou-se que o ex-presidente e o seu filho deputado atuaram para induzir governo estrangeiro a exercer pressão para obstruir o curso da Ação Penal 2668, a da trama golpista.
O referido inquérito apura possível cometimento dos crimes de coação no curso do processo (art. 344, CP), obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa (art. 2º, § 1 º, Lei 12.850/13) e crime de atentado à soberania (Art. 359-I, CP). Diante das provas, houve quem achasse configurada a hipótese de prisão preventiva por tentativa de obstruir investigações e a aplicação da lei penal. O relator e a 1ª Turma preferiram valer-se das medidas mais leves previstas no art. 319 do CPP. Difícil enxergar atropelo processual nesta decisão. Posteriormente, o réu Jair Bolsonaro concedeu entrevistas e gerou imagens mostrando a tornezeleira que passara a usar.
Postagens que viralizaram nas redes sociais impulsionadas por apoiadores e familiares do ex-presidente. A reação do ministro Alexandre de Moraes, em decisão de 21/07/2025, incorreu no erro de advertir o réu e pedir esclarecimentos, sob pena de prisão preventiva, diante de uma entrevista e sua viralização. Como se um entrevistado pudesse impedir a reprodução da entrevista nas redes e na mídia. Mereceu a crítica de que estaria cerceando o direito de expressão do réu Jair Bolsonaro. Como fizeram os juízes de Curitiba contra o presidente Lula em 2018 em decisão depois revertida pelo STF.
Erraram os juízes em 2018 e errou o ministro Alexandre de Moraes em sua decisão de 21/7/2025 porque os réus não perdem o direito fundamental de livre expressão. Como que reconhecendo o erro, em nova decisão datada de 24/7/2025, o ministro esclareceu que o réu não estaria proibido de conceder entrevistas ou fazer discursos públicos ou privados. Estaria sujeito à prisão preventiva apenas se voltasse a instrumentalizar entrevistas ou discursos para divulgação nas redes sociais, especialmente por meio da atuação de “milícias digitais” e apoiadores políticos coordenados para esse fim. Desta vez acertando.
A análise dessas duas linhas de acusação ao STF permite-nos compreender a fragilidade dos juízos binários ou maniqueístas quanto à sua atuação. Embora a Constituição lhe assegure o direito de errar por último, interessa ao país que a corte erre menos. Na defesa das instituições contra intervenções indevidas, inclusive de governos estrangeiros, percebe-se que ela tem acertado mais do que errado. Em outras áreas, o STF tem errado mais do que acertado. Seu ataque à Justiça do Trabalho e aos direitos dos trabalhadores e seus sindicatos é apenas um dos exemplos mais eloquentes. Ao lado do corporativismo, excesso de exposição e leniência no combate à corrupção.
*Advogado formado pela FDR da UFPE, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford
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