Por Aldo Paes Barreto
O turista que vier ao Recife na atual temporada de cruzeiro marítimos, ou em qualquer outra ocasião, pensaria estar em alguma monarquia perdida nos trópicos caso caminhasse pelas ruas da cidade, batizadas com nomes de príncipes, princesas e outros vassalos do curto império brasileiro.
Conduzido por um guia disposto, poderia começar ali mesmo no Porto, desembarcando na Praça Barão do Rio Branco, seguiria pela Rua Marques de Olinda, Rua do Imperador Pedro II, visitaria o Palácio do Campo das Princesas, atravessaria a ponte Princesa Isabel e a rua que também homenageia aquela Alteza e voltaria pela Rua da Imperatriz Tereza Cristina.
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Apressando o passo, poderia conhecer a Rua Marquês do Recife, a Duque de Caxias, a Visconde de Suassuna, Marquês do Herval, Conde da Boa Vista. Um percurso de muita nobreza, infelizmente pleno de pobreza. Por ser bairro distante, o guia evitaria o vexame de mostrar a rua que leva o nome do Imperador Pedro I. A ruazinha fica na localidade Passarinho. Esse primeiro dom Pedro foi o grande algoz dos pernambucanos na Revolução patriótica de 1817. Depois de violenta repressão mandou prender, enfocar, esquartejar, exiliar dezenas de pernambucanos. Em seguida, dom João VI, o pai dele, ainda puniu Pernambuco, retirando do estado vastas áreas do território original.
Caso o guia fosse um fuçador de nossa História, cultor orgulhoso do nosso passado, poderia levar o visitante o Poço da Panela, onde o casal morou, ou ao Cais José Mariano, a alguns passos da rua da Imperatriz para conhecer o melhor da nossa gente. Naquele trecho, nas margens do Rio Capibaribe, a mais justa homenagem é prestada a um filho da terra, combatente da abolição da escravatura, líder dos ideais de uma nação que se formava em favor da liberdade de expressão, de eleições democráticas, e de um poder judiciário livre das tentações e manipulações do poder. José Mariano dá nome ao Cais. Simples e esquecido.
O abolicionista José Mariano Carneiro da Cunha foi muito além do seu tempo, um político que preferiu servir do que se servir. Ele e a mulher, Dona Olegarinha, formaram um casal exemplar. Abolicionistas, humanistas, solidários, probos no trato com a coisa pública fiéis aos mais nobres ideais que a política pode alcançar. Nos jornais da época, nos livros, os contemporâneos de José Mariano, a exemplo do potiguar Luís da Câmara Cascudo, descreveram o primeiro prefeito eleito do Recife, como orador privilegiado, capaz de empolgar todas as plateias propondo, combatente das melhores causas. Ela, dona Olegarinha, participou ativamente do fim da escravatura, capaz de vender as próprias joias para, com o dinheiro apurado, comprar escravos e os enviar para o Ceará onde a abolição já era um fato. Lá por motivos diferentes. A grande seca de 1880, a tragédia que mais duramente atingiu o país causando a morte de mais da metade da população cearense – 800 mil pessoas, na época, – provocou migração incontrolável. Poucos sobraram para reconstruir o estado.
O casal Mariano e outros abolicionistas reunidos no Clube do Cupim, ao libertar e conduzir os homens livres, ajudou na reconstrução do hoje pujante estado do Ceará. Os libertos foram indispensáveis na tarefa de repovoar e restaurar a economia cearense. O abolicionismo era uma chaga, mas o Brasil também precisava crescer na economia, avançar no social.
As secas e os governos antidemocráticos sempre causaram muito mal nas mais diversas épocas e às mais distantes regiões do planeta. Na História, guardiã dos fatos é fundamental preservar a memória dos nossos heróis. Lembrar quem ficou do lado dos justos, quem batalhou por um ideário de paz e de boa vontade. Quem fez da política a arte do possível, ponto de partida pelas igualdades racial e social, como fizeram os pernambucanos José Mariano e Dona Olegarinha.
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