Por José Nivaldo Junior*
Cristovam Buarque é um gênio da raça. Nascido no Recife, há 80 anos, de família modesta, estudou em escola pública. Aluno aplicado. Ao invés de reclamar dos professores, se esforçava para vencer com eles as dificuldades. Nesse processo, se convenceu que o caminho do sucesso individual e coletivo é a educação.
Economista, escritor prolífico, foi chefe de gabinete de Fernando Lyra no Ministério da Justiça. Quem acompanha as óperas bufas que, desde o governo Sarney acontece naquela pasta, não tem ideia. O ministério da Justiça era O ministério.
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Depois de ajudar o país a se livrar do lixo autoritário, Cristovam foi reitor da UNB, governador do Distrito Federal, senador e ministro da Educação. Foi para mudar num governo que queria ajeitar. Não deu certo. No senado, Casa à qual não retornou na última eleição, depois de vários mandatos, lutou bravamente contra moinhos de vento. E continua sonhando o sonho juvenil de um Brasil melhor pela educação.
Registro: A Bolsa Escola foi ideia dele. Que implantou no DF. Muito diferente do modelo que afinal prevaleceu no país. Cristovam lutou contra a ditadura antes de ter ditadura. Sofreu o exílio. Ajudou a varrer o entulho da mesma. Com o coração leve, esclarece com absoluta exclusividade a O Poder sua visão sobre a ditadura. Com seus defeitos e qualidades. Abordagem rara.
E como ao lado de um grande homem tem sempre uma grande mulher, mil vivas à goianense ( De Goiana, PE) Gladys Buarque.
Confira a entrevista
O Poder – Sessenta anos depois, uma resposta rápida: 1964, salvação ou inferno?
Cristovam Buarque – Mais para inferno do ponto de vista do sacrifício das liberdades individuais por 21 anos. E da suspensão da democracia impedindo a correção de rumos equivocados da sociedade. Inferno também do ponto de vista da imposição de um modelo econômico baseado na concentração da renda e no endividamento como forma de impor uma modernidade apressada que já vinha de antes de 1964. A democracia teria ajudado a fazer as reformas necessárias para compor crescimento com benefícios e justiças sociais.
O Poder – Como avalia o movimento de 1964 e o regime militar que se seguiu por 21 anos?
CB – Obviamente um golpe do ponto de vista da ruptura do marco constitucional da democracia que vinha desde 1945. Não foi revolução porque teve o propósito de manter o ‘status quo’ social e econômico e foi usado para isto. O Brasil estancou o que poderia ter sido uma revolução graças a reformas estruturais.
O Poder – Vamos falar sobre um tema desagradável. Existiram torturas no período militar? O que tem a dizer sobre isso?
CB – Está comprovado que tivemos longos anos de tortura, assassinatos, prisões, exílios, perseguições, censuras, cassações, um período tïpico de autoritarismo, arbitrariedades. É uma vergonha que os militares brasileiros neguem até hoje o que aconteceu naquele período. Este apego à mentira ou ignorância nos faz desacreditar que nossas FFAA tenham compromisso democrático e competência para defender o Brasil em caso de ameaça à nossa soberania ou a recursos nossos.
O Poder – E quanto às acusações de atos de corrupção no período militar , o que tem a dizer?
CB – Impossível ditadura sem corrupção. Houve corrupção, mas aparentemente a cúpula militar não se locupletou. Os quatro presidentes-ditadores não morreram ricos, nem há sinais de riqueza em suas famílias.
O Poder – Houve legados positivos do período militar? Em quais áreas?
CB – Certamente há legados positivos, sobretudo na infra-estrutura com as grandes obras em aeroportos, estradas, pontes e hidrelétricas, além do Proálcool. A infra-estrutura científica e tecnológica e o ensino universitário também avançaram, embora ao custo de liberdade, corte de carreiras, expulsão de cientistas e professores.
O Poder – Como avalia a abertura democrática, as Diretas Já a retomada da democracia?
CB – A abertura democrática foi um gesto de inteligência política dos militares ao perceberem o esgotamento do regime diante das mobilizações da sociedade em todos os níveis. Diferentemente dos demais países que enfrentaram ditaduras entre 60-80, no Brasil os militares saíram sem autocrítica, sem punições por seus crimes e se mantendo com uma corporação acima das instituições democráticas.
O Poder – E finalmente, como entende os nossos dias? O Brasil é um país democrático?
CB – O Brasil tem liberdades e instituições democráticas, mas não se pode chamar de dmocrático um país com estrutura de apartação social. Não é democrático um país com escolas senzala conforme a renda e o endereço da família, condenando a sociedade a uma estrutura que segrega a população entre condomínios e favelas. O grave é que depois de quarenta anos, a democracia continua endividada com o país e a população. A pobreza e a concentração de renda se mantêm no mesmo nível do tempo da ditadura. Por falta das necessárias reformas que a democracia não fez, a economia continua presa da armadilha da mesma renda média há décadas. A corrupção ficou ampliada e tolerada. A violência se expandiu. As cidades viraram monstrópolis. A democracia é endividada com o seu povo.
*Jornalista de O Poder
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