Desde a campanha eleitoral, o PT vem prometendo, com algum alarde, revogar decretos do governo Bolsonaro. O termo “revogaço” entrou na moda, mas, se virar costume, será um perigo para a democracia.
Ao concluir seus trabalhos, em 13 de dezembro, o gabinete de transição elaborou um documento com 23 páginas de sugestões de atos de Bolsonaro e de seu governo que devem ser anulados, segundo o coordenador técnico do grupo, Aloizio Mercadante.
Análise feita pelo projeto Política por Inteiro e pelo Instituto Talanoa chegou a listar 401 atos da atual administração que deveriam ser revogados apenas na área ambiental. Até um partido de esquerda alemão se juntou ao PSOL para propor uma lista de 200 atos infralegais do atual governo que poderiam ser revogados com uma canetada logo após a posse, em 1.º de janeiro. As informações são do editorial do Estadão.
Leia maisDiante da fúria destruidora do governo de Jair Bolsonaro em áreas tão diversas como meio ambiente, direitos humanos, segurança pública, educação, saúde e cultura, algumas ações precisam mesmo ser revistas. É prudente, no entanto, evitar dar a essa necessária revisão ares de um “revogaço”.
Há pelo menos três razões para evitar revogações em massa: insegurança jurídica, descontinuidade administrativa e de políticas públicas e atiçamento da polarização política.
A primeira delas é óbvia. Decisões de governo afetam não somente o setor público, como também a iniciativa privada, a sociedade e até mesmo a vida de cada cidadão. Como planejar o presente e o futuro, realizar negócios e tomar decisões de investimento se as regras estão constantemente mudando, ao sabor do último resultado das urnas?
Políticas públicas levam um tempo para amadurecer e dar frutos. Ao tomar posse, uma nova administração deve ter o cuidado de avaliar, com toda calma e racionalidade, quais decisões do governo anterior devem continuar, o que precisa ser aprofundado ou, se for o caso de mudar, o que deve ser colocado no lugar. É essencial evitar o risco de descontinuidade por mero capricho ideológico.
Por fim, há o perigo de perpetuar a polarização política, que tem feito tanto mal à democracia brasileira. A política dá voltas e, dentro de quatro anos, haverá eleições e é possível que haja nova alternância de poder, o que faz parte da democracia. Não é bem-vindo, no entanto, que, por razões eleitoreiras ou apenas ideológicas, um novo governo busque desfazer o legado do anterior, demarcando ainda mais a divisão do eleitorado em campos irreconciliáveis.
O novo governo tem todo o direito de rever medidas equivocadas de Bolsonaro, sobretudo aquelas que foram tomadas sem a devida consulta à sociedade e às instituições, mas precisa fazer isso com cautela e parcimônia, caso a caso, explicando os motivos, analisando os impactos e, quando for o caso, apresentando alternativas.
Acima de tudo, deve evitar baixar um pacote de revogações de forma açodada e midiática, para agradar à sua claque, mas que poderia ser visto pela outra metade dos eleitores como mera retaliação. O momento não é para radicalismos, mas de construir consensos e governar para todos os brasileiros.
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