Capítulo 25
Personagem da vida nacional desde 1967, quando emplacou seu primeiro mandato de deputado estadual, Marco Maciel entrou para história, no plano pessoal, como um homem metódico, de fé, devoção inabalável à política, que, para ele, era sacerdócio. Mas ao longo de tanto tempo exercendo cargos públicos, vivenciou momentos descontraídos, engraçados, protagonista ou figurante, que dariam um bom livro de humor político.
Leia maisPrimeiro, porque seu corpo alto e magro – daí a origem do apelido “Mapa do Chile” – fez muita gente dar boas gargalhadas em charges. Cartunistas que fizeram história na produção de charges críticas e políticas bem-humoradas, como Millôr Fernandes, Renato Aroeira, Laerte Coutinho, Arnaldo Angeli Filho e Chico Caruso adoravam produzir peças inspirados no estereótipo daquele que deu uma grande contribuição para a abertura democrática.
Em Brasília, ganhou dos jornalistas outro apelido: era o “Sem lead” (início da matéria). “Difícil arrancar uma manchete dele”, recorda Vanda Célia, jornalista que assinou colunas políticas por muito tempo nos principais jornais do País. “Ele contava piadas quando não tinha ninguém olhando em volta”, brinca Célia, que lembrou alguns casos engraçados ao longo da sua convivência com a fonte Marco Maciel.
Certo dia, Vanda Célia estava no aeroporto e se deparou com Marco Maciel. Curiosa, como todo bom repórter, perguntou o destino dele. Bem-humorado, respondeu: “Estou indo ao Rio de Janeiro para os 60 anos de Roberto Marinho. É a quinta vez que vou aos 60 anos do Roberto Marinho”. É claro que só restou à jornalista uma gostosa gargalhada.
Em voos, quando percebia que havia aliados que tinham medo de avião, como o senador Jorge Bornhausen, velho companheiro de jornadas que culminaram com a criação da Frente Liberal em apoio a Tancredo Neves, gostava de tencionar. Certa vez, contou que estava num voo e um garoto começou a gritar que o avião ia cair. Na mesma aeronave, um sujeito mal-humorado reagiu: “E daí? O avião não é meu mesmo”.
Por falar em avião, quem passou um tremendo perrengue ao lado de Maciel num voo da FAB, de Brasília para Recife, foi Silvio Amorim, que atuava no Ministério da Educação na época que a pasta era tocada pelo chefe. Estava em despacho com Marco Antônio na janela do avião ao seu lado quando caiu um documento da mesa de trabalho e prontamente destravou o cinto de segurança para recolhê-lo, mas, por esquecimento, não o colocou de volta.
“Ao sobrevoar Ilhéus, na Bahia, um barulho estranho e me vejo flutuando a um metro no ar, como os astronautas! Jornais e canetas também flutuavam, juntos com as almofadas do sofá. Olho para a janela e vejo que o avião estava em queda vertiginosa. Era o efeito da gravidade zero, ambiente criado artificialmente pela manobra do comandante do avião”, diz Amorim. A manobra, segundo ele, teria sido para evitar um choque com outro avião.
Assessor de Marco Maciel na Vice-Presidência da República, o professor Roberto Pereira também tem uma coleção de historinhas engraçadas. “Certa vez, quando governador, Marco ofereceu um jantar aos prefeitos da Zona da Mata. Um deles, ao lado da esposa bem mais jovem, apresentou-a como sua genitora. Com elegância, mas humor ferino, Maciel comentou: “Tão jovem”! Mais tarde, o prefeito, que era analfabeto e havia ficado surpreso com a reação dele, foi lá tomar satisfação. “Governador, genitora é mãe ou esposa? Maciel respondeu: “É mãe”. “Então, aquela é minha esposa, governador”, disse, apontando para sua mulher.
Em outra ocasião, ainda como governador, num jantar oferecido aos diretores de escolas e empresários do ramo imobiliário, no Palácio das Princesas, um convidado se excedeu no uísque e ao sentar-se à mesa na hora do regabofe levou um tombo. Ao socorrer o empresário, também exercitando seu humor refinado, Marco Maciel sapecou: “Não se preocupe, a culpa foi da cadeira”.
Católico, quase beato e puritano, entre os políticos mais próximos, como Bornhausen e o senador alagoano Guilherme Palmeira, Maciel era apelidado de Camisolão, alvo de brincadeiras porque ficava sisudo quando os amigos contavam de suas noitadas em voos. Os jornalistas Anchieta Hélcias e Vanda Célia, que gozavam da intimidade do senador, também aprontaram uma com ele nesse campo.
Inventaram, chegando ao conhecimento dele, que estava apaixonado pela jornalista Eliane Cantanhêde, hoje na Globo News, na época na Folha de São Paulo. Certo dia, dando entrevista no Salão Verde da Câmara, cercado por repórteres e cinegrafistas, Anchieta pisca o olho para Vanda e diz em alto e bom som: Lá vem a Eliane Cantanhêde”. Maciel perdeu a linha de raciocínio, ficou vermelho feito um pimentão enquanto Anchieta e Vanda morriam de rir.
Extremamente educado, Maciel, segundo recorda Joel de Hollanda, seu suplente de senador, tinha o hábito de ao chegar numa casa cumprimentar as pessoas, indo até a cozinha. “Certo dia, depois de falar com muita gente, já entrando no carro, apertou a mão de um rapaz, que reagiu: “Senador, já é a terceira vez que o senhor me cumprimenta”. “É sempre um prazer renovado apertar a sua mão”, reagiu ele.
Tem também boas histórias de Maciel relacionadas à comida. “Ele não gostava de comer. Ficava enrolando a alface no garfo”, brinca Vanda Célia. Nas viagens ao Interior como governador, os anfitriões o recebiam com mesas fartas, principalmente a família Coelho, de Petrolina. Foi lá que uma professora ao vê-lo comer apenas um naco de carne com arroz pediu para lhe servir, afirmando: “Coma mais, governador, o senhor está muito magrinho”. Reação dele, segundo a boa memória de Joel: “Não se preocupe, esse é o meu calibre sempre”.
Quando governador, Marco Maciel acabou o isolamento das comunidades nos rincões do Estado, abrindo um posto telefônico da Telpe. Ao inaugurar, costumava fazer uma ligação para um filho distante da sua terra natal, acompanhada com muita emoção pelos presentes. Numa ocasião, seria feita uma ligação para Europa. O presidente da Telpe o aconselhou a optar por outra pessoa, porque o escolhido iria ser acordado de madrugada, por volta das três horas. “Pode ligar, ele vai ficar muito feliz ao ser acordado com a notícia de que sua terra não está mais isolada do mundo”, comentou Maciel.
Acima das brincadeiras e do seu bom humor, Marco Maciel parecia onipresente nos vertiginosos momentos que afligiram o Brasil, personificação do homem como animal político, helênico construtor de consensos, regente de orquestras impossíveis, descobridor de soluções. Conciliador, conservador e liberal, na tradição única do Frei Caneca, sempre soube aproximar extremos, na convicção de que inimigos políticos no fundo se parecem e sempre têm muitos assuntos em comum.
Veja amanhã
Introvertido no amor, Marco Maciel nunca pediu a mão de Anna Maria. Num certo dia, disse que havia chegado a hora de ter uma casa para morar, só aí ela entendeu que ele estava apaixonado.
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