Crença de Marco Maciel nas mudanças econômicas, políticas e sociais do Brasil foi alicerçada na cartilha do liberalismo

Liberalismo Brazuca

Capítulo 12 

Na história republicana, por mais que tenha se apresentado como um liberal, Marco Maciel nunca conseguiu superar a pecha de político de direita, conservador. Nos compêndios escolares, nos debates parlamentares e no que se perpetuou pela mídia, foi apontado como um dos principais responsáveis pelo fechamento do Congresso quando presidente da Câmara dos Deputados na era Geisel, por quem foi escolhido governador biônico. 

“Marco Maciel não era um político de direita. Era um homem absolutamente liberal, tinha amigos no Partido Comunista [como o arquiteto Oscar Niemeyer, chegou a trabalhar como presidente da Fun­dação Oscar Niemeyer] e conversava com todas as pessoas. Ele tinha convicções, tinha uma veia de conciliador muito forte. Ele era um liberal dentro do conceito de liberalismo mais moderno”, diz o jornalista Ângelo Castelo Branco, autor de uma biografia sobre Maciel.

Para Castelo, um dos grandes trunfos de Marco Maciel como político foi articular — ao lado de outros políticos — a ruptura com o regime militar “sem nenhuma crise institucional”. Uma tacada de mestre que Maquiavel aprovaria, por certo”, destacou. Segundo o professor Antônio Paim, falecido ano passado, Maciel era um representante teórico do chamado liberalismo social, enquadrado no clássico da História do Liberalismo Brasileiro.

“Ele procurou se inserir na tradição do liberalismo brasileiro, a começar do próprio Império. Vale a pena conferir como avalia o papel dos liberais na República, ao dizer que Rui Barbosa moldou juridicamente as instituições, enquanto Prudente de Morais (1894-1898) afirma a supremacia do poder civil e Campos Salles restaura a autoridade”, disse o professor, numa entrevista ao jornal O Globo

Na defesa do liberalismo, Maciel mencionava como suas principais inspirações o pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910) e o italiano Norberto Bobbio (1909-2004). No segundo, certamente, colheu a flexão para o âmbito do liberalismo social em que se viria alojar. Porém, também fazia bastantes referências ao liberal peruano Vargas Llosa e estava declaradamente filiado às interpretações de Leonard Hobhouse (1864-1929), um dos patriarcas britânicos da escola do liberalismo social, acoplando à sua retórica uma defesa entusiasmada da igualdade de oportunidades. 

Enaltecia o legado da Revolução Inglesa e da Revolução Americana como pilares do liberalismo, mas a elas também adicionava a Revolução Francesa, apesar de suas feições radicais e “abstratistas”, tão criticadas pelas vertentes mais conservadoras do pensamento liberal. Marco Maciel sustentava um modelo de liberdade de organização partidária e restrição do acesso ao Parlamento conforme regras de desempenho, bem como o voto distrital misto e a revisão do pacto federativo. 

Na Constituinte, combateu limitações ao direito de propriedade privada, a remuneração adicional de 50% para a jornada extra de trabalho, a nacionalização do subsolo, a estatização do sistema financeiro, o limite de 12% ao ano para os juros reais, a possibilidade de desapropriação da propriedade produtiva, entre outras propostas intervencionistas. O professor Antonio Paim louvou, além disso, sua constante preocupação com o tema da educação, prioritariamente o desenvolvimento do ensino básico, como ingrediente essencial da cidadania e da prosperidade.  

No panfleto Uma pauta para o futuro: o social liberalismo no ano 2000, coube a Marco Maciel apresentar ao PFL diretrizes favoráveis à reforma previdenciária, à reforma tributária e à abertura da economia ao mercado internacional. Na visão de Maciel, exposta em Liberalismo: conduta e doutrina, de 1992, o liberalismo “é uma proposta política que tem compromisso com a mais antiga aspiração da humanidade: a liberdade, bem insubstituível sem o que fenece no homem a possibilidade de criar e agir, compreender e amar”.

Em sua interpretação, “a estrutura econômica do capitalismo tem sido eficiente para lidar com a liberdade formal do indivíduo e do cidadão” e a proposta liberal “reduz os limites de intervenção e de regulamentação – direta e indireta – do Estado, que inibe o progresso e limita a capacidade de criar e de produzir do cidadão e da comunidade”.

Mesmo com esse tropeço, Marco Maciel defendia que a iniciativa privada deveria ser protagonista do desenvolvimento, ainda que em cooperação com o Estado, pois desejava “a igualdade de oportunidades, relativamente às garantias de educação, do trabalho, da saúde, da habitação e dos padrões mínimos de desempenho humano que livrem o homem da ignorância, do desemprego, da condenação a viver em condições subumanas e da doença”.

Valendo-se da análise de Raymundo Faoro (1925-2003) sobre a formação do estamento burocrático brasileiro, Maciel também criticava objetivamente o patrimonialismo, o clientelismo, o cartorialismo e o corporativismo, consoantes com o “gigantismo do Estado, que sempre exerceu avassaladoramente enorme tutela sobre o cidadão e a sociedade”.  

Conforme externou em A ideia liberal e o Brasil, de 1994, o liberalismo não se alicerça no Estado para lançar os seus objetivos. Antes, acredita na capacidade do indivíduo de criar, de empreender e no poder da sociedade de transformar a si mesma, colocando o Estado a seu serviço, fazendo-o instrumento de suas aspirações, pondo-o sob permanente controle. 

“Na medida em que reduz os limites de intervenção e regulamentações estatais, a proposta liberal é a que melhor convém ao indivíduo”, dizia Maciel. Para políticos de esquerda que conviveram com Maciel, além das ideologias, ele pensava nos verdadeiros interesses do Brasil. “Quando entrei na escola de Engenharia, ele ainda não era Marco Maciel. Mas nunca rompeu suas relações com o Partido Comunista. E manteve boas relações com Dom Helder, quando os militares o consideravam um inimigo visceral”, testemunha o ex-ministro Cristovam Buarque. 

O jornalista Carlos Castello Branco, que assinava a Coluna do Castelo, no Jornal do Brasil, observou, certa vez, que Maciel tentou fazer o que até aqui, aos 67 anos de Império e nos 100 anos de República, não se fez: “Um partido político que queira ser partido antes de ser governo”, escreveu, referindo-se à dissidência que Maciel abriu no PFL para ajudar o Brasil a enterrar a ditadura. 

Sobre democracia, Maciel escreveu em um dos seus livros: “Não podemos pensar em democracia se não tivermos uma sociedade partícipe. Não podemos ter uma sociedade de excluídos. A atividade política pressupõe a discussão para que cheguemos à solução dos problemas. Não seremos uma Nação justa, equilibrada e solidária, enquanto o direito à vida, à educação, à saúde, ao trabalho e à cultura não for assegurado a todos os brasileiros”.

E acrescentou: “A verdadeira liberdade é a efetiva possibilidade, assegurada a todo cidadão, de traduzir em comportamentos concretos as abstratas faculdades previstas nas regras constitucionais”. Maciel, que foi ministro da Educação, dizia que sem educação o País nunca seria uma grande potência. “Construir uma nação, com instituições sólidas e regime democrático como expressão de estrutura política, começa pela educação e se sedimenta, em definitivo, na educação”, escreveu.

Em sua obra liberal, também mostrou sua visão social. “Temos padrões econômicos da Europa e padrões sociais da África. Acostumamo-nos a conviver, dentro de nossas fronteiras, com algo semelhante aos dois Brasis a que se referiu o sociólogo Jacques Lambert. Com esses padrões, podemos dizer que o Estado brasileiro sempre foi o pai do esforço econômico e o padrasto das condições sociais”.

Conforme deixou patente, nenhuma grande potência consegue ser uma grande democracia política com esses padrões sociais. “E nenhuma grande potência, que não seja uma grande democracia, pode garantir a estabilidade política interna, sem a qual não pode existir prosperidade econômica. Nossas preocupações voltam-se para a institucionalização de um modelo estável e democrático que possa completar o processo de modernização social que lhe dê base e equilíbrio. Temos que modernizar as instituições políticas, dar funcionalidade aos poderes e tornar possível um sistema partidário pluralista, livre e competitivo, que seja a base da legitimidade do poder”. 

Era isso que pregava em Liberalismo e justiça social. “Numa de suas visitas ao Brasil, o cientista político e professor Maurice Duverger declarou não duvidar do grande futuro do nosso País. Mas lembrava – e aqui cito suas próprias palavras – que o Brasil só será uma grande potência no dia em que for uma grande democracia. Mas só será uma grande democracia no dia em que tiver um forte e estável sistema partidário”.

E completou: “Nas mais modernas democracias parlamentares, e mesmo nos mais arraigados regimes presidenciais, o sistema partidário é parte essencial e uma componente insubstituível do processo político. Nosso dever é, ao lado das muitas mudanças já realizadas, resgatar as oportunidades perdidas para materializar reformas que a sociedade de nós espera”. 

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