O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ricardo Anafe, suspendeu a liminar que obrigava o uso de câmeras corporais pelos policiais militares que participam da Operação Escudo, realizada no litoral paulista, ou similares, destinadas a coibir ações contra a própria polícia. O pedido de suspensão foi feito por um instrumento que permite que o governo do estado faça a solicitação diretamente ao presidente da Corte. Anafe considerou que a medida causa prejuízo econômico e afeta diretamente o orçamento do Estado, por exigir que se gaste o dobro do estimado, de R$ 126 milhões.
A Operação Escudo foi deflagrada em função da morte do soldado da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), Patrick Bastos, no Guarujá. Ela terminou em 28 de julho passado. No início de setembro foi anunciado o término da operação, que resultou em pelo menos 28 mortes. As informações são do O GLOBO.
Leia maisO presidente do TJ alegou ainda que operações como a Escudo são feitas em regime de urgência e que não há tempo para deslocar câmeras de outras unidades.
A liminar havia sido concedida pelo juiz Renato Augusto Pereira Maia, 11ª Vara da Fazenda Pública da capital, e determinava ainda que o governo de São Paulo criasse mecanismos para assegurar o correto uso das câmeras corporais por parte das forças policiais, evitando que não funcionem durante o trabalho. A decisão obrigava ainda que fossem protegidos os entornos de escolas e creches durante as operações e foi tomada a pedido da Defensoria Pública e da ONG Conecta Direitos Humanos.
O presidente do TJ determinou que qualquer decisão sobre o tema só venha a ser discutida em segunda instância, pelos desembargadores.
A operação Escudo deflagrou vários protestos de moradores do litoral paulista, que argumentam que a Polícia Militar estava matando inocentes. Entre os mortos estava o adolescente Luiz Gustavo Costa Campos, de 15 anos, a 23ª pessoa morta no âmbito da Operação Escudo, no Guarujá. O boletim de ocorrência dizia que o garoto “sacou uma pistola e apontou na direção dos policiais”, que dispararam de volta em legítima defesa e o mataram. Mas de acordo com familiares , o adolescente não tinha nenhum envolvimento com o crime e estava a caminho da casa de um amigo, que iria acompanhá-lo ao dentista.
Três dias depois do anúncio do término da operação Escudo, a Polícia Militar deflagrou uma “nova edição” como “resposta” a ataques a agentes ocorridos no Litoral de São Paulo durante o feriado prolongado de 7 de setembro. No dia 8 de setembro, o sargento aposentado Gerson Antunes Lima, de 55 anos, foi assassinado a tiros em São Vicente. No fim de semana, outros dois policiais foram baleados em São Vicente e Santos.
Na nova investida pela morte do sargento aposentado, a jovem Yasmin Isabel Alves do Carmo, de 22 anos, foi atingida na cabeça durante tiroteio entre a polícia e um ciclista. Ela era mãe de três filhos, um deles um bebê de 10 meses, e havia acabado de sair de casa.
Luciana Zaffalon, diretora-executiva da ONG JUSTA, afirma que o instrumento jurídico usado para acionar diretamente o presidente do TJ é a “suspensão de segurança”, que tem sido usada com frequência pelo governo paulista nas áreas prisional e de segurança pública.
Um levantamento feito pela ONG mostra que dos 29 pedidos apresentados ao TJ-SP pelo governo do estado em 2021, 83% foram aceitos, suspendendo decisões de primeiro grau.
Segundo ela, ainda este ano, o tema será levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, para que o instrumento judicial seja modulado e não possa ser usado em detrimento de garantia de direitos mínimos à população. “Neste caso, não ter câmera viola o direito à vida das pessoas”, diz.
Luciana ressalta que, no caso de São Paulo, o TJ-SP decide a favor do governo do estado em praticamente todas as demandas e lembra que, embora o presidente da Corte tenha alegado que a decisão de obrigar o uso de câmeras corporais impacta o orçamento do estado, no ano passado o Tribunal foi beneficiado justamente com o remanejamento de verbas.
“O Tribunal foi beneficiado com mais de R$ 210 milhões em 2021 e foi uma verba direcionada principalmente à folha de pagamentos. O remanejamento que seria necessário para o uso das câmeras é inferior à essa quantia”, afirma.
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