Do Congresso em Foco
Professor de Direito da PUC de São Paulo e da pós-graduação do UniCeub, em Brasília, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo considera que os depoimentos dos ex-comandantes da Aeronáutica e do Exército, bem como outras provas levantadas pela Polícia Federal, dão elementos jurídicos para uma denúncia contra Jair Bolsonaro (PL) e, eventualmente, para sua condenação por tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado de Direito.
“Não acho que haja prova para uma prisão preventiva nem medida cautelar por esses fatos. Agora há prova para uma eventual denúncia e condenação. Se não for desconstituída essa prova no direito de defesa, ela já existe”, afirmou Cardozo em entrevista ao Congresso em Foco.
Leia maisPara se determinar uma eventual prisão preventiva de Bolsonaro, seria necessário comprovar, por exemplo, que ele ainda incorre no crime, tentar obstruir a Justiça ou interferir no processo ou produção de provas. Na avaliação de Cardozo, caberá à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal avaliarem o chamado “caminho do crime”, condição que passa pela cogitação, pela preparação, pela execução e pela consumação.
Essa definição será fundamental para a definição da pena a ser imposta a Bolsonaro e aos demais envolvidos na trama golpista caso suas respectivas defesas não consigam desconstituir as provas levantadas até agora. Ele reconhece, no entanto, que a distinção dessas é tema que divide, muitas vezes, os juristas. “Existem várias teorias penais que nutrem essa diferença entre a tentativa, a preparação e a execução. Essa diferenciação nem sempre é muito fácil”.
Para o ex-ministro da Justiça, há elementos para configurar que houve consumação da tentativa de golpe e abolição do Estado de Direito: as discussões sobre a chamada minuta do golpe com a cúpula das Forças Armadas e outros ministros caracterizam a execução, já os atos de 8 de janeiro, com a depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília, a consumação. “É preciso ver o conjunto da obra”, explicou. A motivação dos atos golpistas, segundo ele, caso tivesse sido adotado algum tipo de intervenção militar, era clara: “Bolsonaro viajou para os Estados Unidos porque pretendia voltar nos braços do povo”.
José Eduardo Cardozo também acredita que o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, assim como outros personagens da trama, será enquadrado como copartícipe da tentativa de golpe, por ter colocado à disposição do plano golpista de Bolsonaro suas tropas, conforme relataram os chefes do Exército, general Freire Jr., e da Aeronáutica, Batista Junior. “Esses dois, em princípio, tiveram uma postura de defesa da Constituição. Temos de ver a compatibilidade das versões deles com as demais provas. Mas, ao que tudo indica, resistiram corretamente a uma tentativa de golpe”, observou.
Para o ex-ministro, o impedimento do golpe deixa uma lição clara para o país. “O Brasil passou mais tempo com regimes autoritários do que democráticos, mas a Constituição de 1988 veio para ficar. Não podemos permitir que pessoas usem a democracia para destruir a democracia. Essas pessoas não são dignas de ocupar mais nenhum cargo público”, disse. “A pena deles tem de ser exemplar”, defendeu José Eduardo Cardozo.
Deputado federal pelo PT por dois mandatos, Cardozo foi ministro da Justiça entre 2011 e 2016, advogado-geral da União e defensor da ex-presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment. Atualmente ele é comentarista de política da CNN Brasil.
A situação de Jair Bolsonaro se complicou sensivelmente com os depoimentos prestados no âmbito da Operação Tempus Veritatis, cujos sigilos foram quebrados na sexta-feira (15), pelo relator, ministro Alexandre de Moraes. O ponto central do inquérito diz respeito à minuta de decreto, cuja versão inicial foi encontrada no último mês de fevereiro na sede do PL. Uma versão revisada, mais curta, já havia sido apreendida pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, após os ataques de 8 de janeiro de 2023.
O documento institui no Brasil um Estado de Sítio ou de Defesa, a depender da versão, sobre o Tribunal Superior Eleitoral, visando impedir a posse do presidente Lula sob o preceito de uma suposta fraude nas urnas. O ex-chefe da Aeronáutica contou que o ex-comandante do Exército chegou a dizer que teria de prender o então presidente caso ele insistisse em sua tese golpista. Os dois avisaram que não apoiam nem daria suporte a essa iniciativa. Baptista Junior, que monitorou o sistema eleitoral em nome das Forças Armadas, assegurou a Bolsonaro que não havia qualquer indício de fraude na eleição do petista.
De acordo com o advogado Cláudio Castello de Campos Pereira, as condutas de Bolsonaro relatadas nos últimos depoimentos “ultrapassam as meras intenções criminosas para configurar etapas executórias do crime”. Ele chama atenção não apenas para os eventos ao redor da minuta do golpe, mas também para o depoimento do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que disse ter sido pressionado por Bolsonaro a tentar anular as eleições pela via judicial.
“O golpe chegou a ser iniciado, mas não se efetivou devido à resistência de segmentos militares, o que demonstra a transição da fase de intenção para a de execução do delito”, ressaltou o advogado, que relembrou o entendimento manifestado anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal de que uma conduta pode ser considerada golpe de Estado, independentemente de haver ou não a participação de Forças Militares, mas sim “a ambição de usurpar ou de alterar a ordem constitucional estabelecida”.
Antônio Rodrigo Machado, professor de Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), compreende que o ex-presidente poderá ser condenado, uma vez ficando comprovado o esforço de Jair Bolsonaro em pressionar os chefes das Forças Armadas a participar de um golpe de Estado. Segundo o advogado, não há, no momento, indícios de que ele esteja efetivamente tentando obstruir as investigações, continuar com os esforços pelo golpe ou sair do país, o que impede de acontecer uma eventual prisão preventiva.
“Entendo que não existem elementos para que Bolsonaro seja preso na atual conjuntura”, avalia.
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