Quase tudo que termina é doloroso. Não há dor maior do que dizer adeus a quem amamos. Já li que um adeus é a metade da morte. Esse sentimento produz a ilusão do fracasso. Quando se chega ao fim algo que não queríamos jamais, a dor é tanta que faltam lágrimas para se expressar. “Falam que o tempo apaga tudo. Tempo não apaga, tempo adormece”, escreveu Raquel de Queiroz.
Mas fim de ano, foge à regra, porque se descortina um tempo novo, tempo de renovar as esperanças, de planejar objetivos. Portas que se abrem, sementes que florescem, começo de um novo ciclo, porta para novas oportunidades que o ano que se despede não permitiram. Dia de virada de ano é dia de festa, de comida boa, de momentos engraçados em família, de fé.
Leia maisÉ festa no coração! Tudo se renova numa noite de ano novo, porque se faz um brinde a tudo que está ficando para trás e a tudo que está por vir. Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.
Mas para começar bem um ano novo é importante, antes de tudo, agradecer por tudo de bom e de desafiante que o ano que está ficando para trás nos trouxe. Pular sete ondinhas, comer 12 uvas, abraçar cada ente querido à meia-noite. Seja qual for a sua superstição no Réveillon, que seja leve, alegre e muito abençoada.
Carlos Drummond de Andrade, o maior de todos os poetas, disse que para ganhar um ano novo que mereça este nome, para merecê-lo, temos de fazê-lo de novo. “Eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano-Novo cochila e espera desde sempre”, escreveu.
Drummond nos ensinou ainda que não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Não precisa chorar arrependido pelas besteiras consumadas nem parvamente acreditar que por decreto de esperança, a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados, começando pelo “direito augusto de viver”.
Já para Fernando Pessoa, outro maioral da poesia, nada começa: tudo continua. “Na fluida e incerta essência misteriosa da vida, flui em sombra a água nua. Curvas do rio escondem só o movimento. O mesmo rio flui onde se vê. Começar só começa em pensamento”, escreveu.
Ferreira Gullar, outro monstro sagrado do encantamento da poesia, escreveu que o ano novo não começa nem no céu nem no chão do planeta. “Começa no coração. Começa como a esperança de vida melhor que entre os astros não se escuta nem se vê nem pode haver: que isso é coisa de homem esse bicho estelar que sonha (e luta)”.
Neste 2024, que a poesia nos faça mais leves e felizes. A poesia tem uma força de tamanha grandeza que só ela consegue aprofundar a existência sem perder a sua essência. Que tenhamos mais um ano repleto de poesia e cheio de esperança, com a mesma intensidade da poesia de Machado de Assis:
“Dois horizontes fecham nossa vida: Um horizonte — a saudade do que não há de voltar; Outro horizonte — a esperança dos tempos que hão de chegar; No presente — sempre escuro — vive a alma ambiciosa na ilusão voluptuosa do passado e do futuro. Na avidez do bem sonhado, nunca o presente é passado, nunca o futuro é presente”.
Feliz 2024!
Leia menos