Ariano Suassuna poderia ter sucumbido na vida se a sua vida não tivesse um propósito. Perdeu seu pai aos três anos de idade, assassinado no exercício do mandato de governador da Paraíba. Que golpe mortal para qualquer ser humano! Mas ao invés de se perder para a vida, a dor fez do mestre do Reino da Pedra Encantada um gigante. Agarrou-se aos livros, lição que nunca esqueceu do pai político e intelectual.
“O livro sempre foi, para mim, uma fonte de encantamento”, ouvi dele numa entrevista. Num Nordeste enraizado pela cultura do cangaço, Ariano, felizmente, não perseguiu a vingança da morte do pai pelas próprias mãos. Quem visita a fantástica exposição imersiva sobre a vida e a obra de Ariano, no Riomar, se depara com uma declaração poética dele sobre a morte do pai, o maior drama da sua vida.
“Aqui morava um rei quando eu menino. Vestia ouro e castanho no gibão. Pedra da sorte sobre meu destino. Pulsava, junto ao meu, seu coração. Para mim, seu cantar era divino, quando ao som da viola e do bordão. Cantava com voz rouca o desatino, o sangue, o riso e as mortes do Sertão. Mas mataram meu pai. Desde esse dia eu me vi como cego sem seu guia. Que se foi para para o sol, transfigurado. Sua efígie me queima. Eu sou a presa. Ele, a brasa que impele ao fogo acesa. Espada de ouro em pasto ensanguentado”.
Leia maisQue lindo e triste ao mesmo tempo. Acho que João Suassuna, o pai de Ariano, deve ter dado a ele muitos conselhos. Conselhos de pai nunca se esquecem. Ele deve ter pedido a ele para se lembrar sempre de olhar para as estrelas e não para baixo, para seus pés. Deve ter aconselhado a nunca desistir do trabalho, porque o trabalho dá significado e propósito, e a vida fica vazia sem o trabalho.
Por fim, deve ter ensinado, como meu velho Gastão me ensinou: perseguir a sorte, ter sorte o suficiente para encontrar o amor, e nunca deixar esse amor ir embora. A sorte deu a Ariano a sua Zélia, único e grande amor da sua vida, amor que está exposto para quem quiser testemunhar na mesma exposição o seu canto de amor pela amada.
O poema intitulado “A Mulher e o Reino” é belíssimo:
Ó! Romã do pomar, relva esmeralda
olhos de ouro e azul, minha Alazã!
Ária em forma de Sol, fruto de prata
meu chão, meu anel, Céu da manhã!
Ó meu sono, meu sangue, dom, coragem/ Água das pedras, rosa e belvedere! Meu candeeiro aceso da Miragem/ Meu mito e meu poder – minha Mulher!
Diz-se que tudo passa e o Tempo duro/ tudo esfarela: o Sangue há de morrer! Mas quando a luz me diz que esse Ouro puro se acaba por finar e corromper/ Meu sangue ferve contra a vão Razão/ E pulsa seu amor na escuridão!”.
Ariano Suassuna nos deixou em julho de 2014 aos 87 anos, vítima de uma parada cardíaca. Deve ter morrido de amor, está aí a viúva dona Zélia para confirmar. Foi tudo: Intelectual, escritor, teórico da arte, dramaturgo, romancista, ensaísta, poeta, artista plástico, professor, advogado e palestrante. Mas foi, sobretudo, um romântico. Amou sua Zélia, seus filhos, netos, bisnetos. Amou a humanidade.
Suassuna foi um dos maiores pensadores da nossa história. Criado em uma família de intelectuais, desde cedo foi influenciado pelas artes e pela cultura popular do Nordeste. Seu pai, João Suassuna, foi governador do estado da Paraíba e seu avô, João Ribeiro de Suassuna, foi um importante escritor e político. Ariano estudou Direito na Universidade Federal de Pernambuco, onde também se envolveu com movimentos artísticos e culturais.
Durante sua juventude, foi um dos fundadores do Movimento Armorial, que buscava valorizar e difundir as manifestações culturais tradicionais do Nordeste, como a literatura de cordel, a música de viola e a xilogravura. Em 1956, Suassuna escreveu a sua peça mais famosa e importante, Auto da Compadecida. A obra mistura elementos da tradição da literatura de cordel com o teatro clássico e popular, criando um estilo único e inovador.
A peça se tornou um grande sucesso e é considerada uma das mais importantes do teatro brasileiro, tendo ganhado também uma versão para o cinema, em 2000. A partir daí, Ariano Suassuna consolidou sua carreira como escritor e dramaturgo, produzindo diversas peças teatrais, romances, ensaios e poemas. Suas obras frequentemente abordam temas ligados à cultura nordestina, à religiosidade popular e à crítica social.
Entre suas peças mais conhecidas estão O Santo e a Porca (1957); O Casamento Suspeitoso (1957); e Farsa da Boa Preguiça (1960). Além do teatro, ele também escreveu romances, como Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971). Ariano fazia algo encantador, além disso tudo: suas aulas espetáculos, que nos faziam rir sem parar de tão divertidas e bem-humoradas. Nelas, ouvi frases fantásticas, das quais selecionei as seguintes:
1- Os doidos perderam tudo, menos a razão. Têm uma (razão) particular. Os mentirosos são parecidos com os escritores que, inconformados com a realidade, inventam outras.
2 – Não troco o meu ‘oxente’ pelo ‘ok’ de ninguém!
3 – Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa.
4 – Tudo que é bom de passar é ruim de contar. E tudo que é ruim de passar é bom de contar.
5 – Eu divido a humanidade em duas metades: de um lado os que gostam de mim e concordam comigo. Do outro, os equivocados.
6 – É tanta qualidade que exigem para dar emprego, que não conheço um patrão com condições de ser empregado.
7 – Ser poeta é muito bom porque eu não tenho nenhuma obrigação de veracidade. Eu posso mentir à vontade, cientista é que não pode.
8 – O sonho é que leva a gente para a frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado, acomodado.
9 – Quem gosta de ler não morre só.
10 – A tarefa de viver é dura, mas fascinante
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