Meu último encontro com Patriota
Há 50 dias, tive meu último encontro com o deputado e conterrâneo pajeuzeiro José Patriota (PSB), que Deus levou, ontem, aos 63 anos. Quis o destino que fosse casual, mas ficou guardado na memória, na alma e no coração como uma despedida. Eu estava na loja de conveniência do posto Cruzeiro, em Arcoverde, parada obrigatória para quem vai ou vem do Sertão.
Patriota chegou de mansinho, com ar cansado, vindo do Recife em direção a Afogados da Ingazeira, na companhia do seu motorista. Calçava tênis e exibia uma meia preta até o joelho. Sentou-se ao meu lado, na mesma mesa em que estava o advogado Roberto Morais, também pajeuzeiro de Ingazeira. De supetão, desabafou: “Estou numa luta desigual contra o câncer e pela vida, só Deus sabe o que estou passando, um sofrimento terrível”.
Leia maisNaquela manhã cinzenta, de ar rarefeito, Patriota fez algumas revelações. Contou que havia “fugido” de um hospital na semana passada por não aguentar mais ser furado e tratado de forma desumana. A fuga, segundo ele, foi do ambiente do hospital para uma suíte num hotel próximo ao Riomar, levando parte da equipe de médicos e enfermeiros que o assistia, para continuar o seu tratamento numa área mais confortável, para que ele tivesse controle da situação.
A cada revelação, um choro incontido, lágrimas discretamente contidas. Estava extremamente emocionado, mas resiliente. Lamentava ter sido “escolhido” por algo que não sabia a razão de estar pagando um preço tão caro. Ao mesmo tempo, lembro bem, destacou alguns personagens solidários com a sua causa, entre eles o prefeito do Recife, João Campos (PSB), que, segundo ele, ligava todos os dias para saber de notícias.
João, segundo Patriota, chegou a oferecê-lo tratamento nos Estados Unidos, tão envolvido emocionalmente estava com o drama enfrentado pelo amigo, que conheceu ainda garoto, através do seu pai, o ex-governador Eduardo Campos. Outro personagem citado foi o presidente da Assembleia Legislativa, Álvaro Porto (PSDB).
Porto, segundo as palavras de Patriota, não lhe deixou faltar absolutamente nada em todas as fases do tratamento. José Patriota ainda falou de política, de eleições e, sobretudo, do trabalho parlamentar que vinha desenvolvendo, com destaque para a pauta municipalista, temática que abraçou e se apaixonou desde quando governou sua cidade do coração por dois mandatos. Do coração, literalmente, porque ele nasceu em Tabira.
Ao final do encontro, olho no olho, regado a café e sucos (ele chegou a comer um sanduíche), no qual observei cada detalhe das suas reações emocionais, pedi para registrar uma foto ao seu lado. Patriota me pediu desculpas, preferiu não fazer e comentou: “Estou na fase do isolamento, não estou recebendo ninguém nem me expondo a qualquer ambiente público”.
Aceitei as ponderações, Patriota me deu um forte aperto de mão, agradeceu pelas minhas palavras de aposta e fé na sua recuperação, e assim se despediu referindo-se ao novo tratamento com uma vacina ao custo de R$ 20 mil a unidade: “Estou esperando um milagre, só um milagre me salva”.
Éramos revolucionários – José Patriota foi meu contemporâneo em Afogados da Ingazeira no início da década de 80, anos dourados para uns, para nós, entretanto, de muita luta. O conheci militando no movimento sindical da Fetape, a Federação dos Trabalhadores de Pernambuco, eu já na condição de correspondente do Diário de Pernambuco. Cobri todas as manifestações dos camponeses, inclusive ameaças de saque às feiras livres. Éramos revolucionários e não sabíamos. Ele, conscientizando os trabalhadores rurais para o despertar da luta pelos seus direitos, eu relatando tudo em matérias expressas que contrariavam o regime, sempre omisso na assistência ao campo.
Meu canal ao bispo vermelho – Naquela época, centenas de camponeses, com chapéu de palha na cabeça e enxada nas mãos, enchiam as ruas de Afogados da Ingazeira em protestos organizados pelo Sindicato dos Trabalhadores. Certo dia, um forte boato se espalhou pela região de que os agricultores, revoltosos, iriam saquear a feira livre, cansados de esperar pelas promessas do Governo. José Patriota me conduziu até o Palácio Episcopal, sede do bispado da região, para uma entrevista com Dom Francisco Mesquita, que à direita o chamava de bispo vermelho.
Saquear não é pecado nem crime – Após falar na Rádio Pajeú, num programa da igreja ao meio-dia, tranquilizando a população de que não haveria saque, mesmo achando que os camponeses tinham todo direito, em razão da omissão do Governo, Dom Francisco me recebeu ao lado de Patriota e deu uma entrevista bombástica, que o DP publicou na íntegra, ocupando uma página inteira, na qual afirmou que saquear não era crime. “Crime é morrer de fome. O trabalhador está no seu pleno direito”, disse ele. Lembro muito bem até hoje.
Agitos em Brasília – O sindicalismo fez escola no Pajeú para José Patriota. Mais tarde, já em Brasília, nos anos 90, atuando no Congresso Nacional como repórter do Correio Braziliense, me deparo com o revolucionário conterrâneo numa grande manifestação promovida pela Contag – a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – na Esplanada dos Ministérios. Para mim, não foi surpresa alguma ele já ter alcançado um outro estágio e patamar da sua jornada de militante sindical – o movimento irmanado dos trabalhadores rurais de todo o País.
Um páreo duro – Do ex-governador Eduardo Campos, de quem José Patriota se aproximou pelas mãos do avô dele, o ex-governador Miguel Arraes, já ouvi testemunhos do apreço e admiração que tinha por ele. “Nunca dei uma missão a Patriota para não ser exitosamente cumprida”, me disse, certa vez, quando estávamos pousando em Afogados da Ingazeira para uma agenda do aliado já prefeito. Eduardo tinha tamanha afinidade com Patriota que ousava em provocá-lo com uma brincadeira, de que iria promover um concurso de beleza entre ele e Guilherme Uchôa, ex-presidente da Alepe. “Um páreo duro”, reagia o bem-humorado Patriota, isso na frente de Uchoa, que morria de rir.
CURTAS
DESPEDIDA – Afogados da Ingazeira vai parar hoje, literalmente, para prestar as últimas homenagens ao seu filho mais ilustre, o ex-deputado e ex-prefeito do município José Patriota, que perdeu a sua luta, ontem, contra o câncer.
GESTO – O velório começou ontem à noite no Ginásio de Esportes e deve se prolongar até às 17 horas, horário marcado para o sepultamento do cemitério da cidade. Prefeitos de toda região do Pajeú estarão presentes. Em respeito à memória do ex-deputado, todos os candidatos a prefeito da região cancelaram suas agendas de campanha.
COBERTURA– Desde o horário da confirmação da morte de Patriota, na manhã de ontem, num hospital do Recife, a Rádio Pajeú, sob a coordenação do seu diretor de jornalismo, Nill Júnior, faz uma programação especial em homenagem ao ex-deputado, que se constituiu, sem dúvida, na maior liderança política do município.
Perguntar não ofende: Quem vai, afinal, assumir a cadeira de Patriota na Alepe: o primeiro suplente, vereador Davi Muniz, hoje filiado ao PSD, ou Júnior Matuto, segundo suplente mantido no PSB?
Leia menos