Por Letícia Lins*
É muito interessante que nós, pedestres cidadãos, tenhamos calçadas seguras para caminharmos. Até porque, como lembram os urbanistas, um terço da população que se locomove diariamente nas cidades brasileiras o faz exclusivamente a pé. Somando-se aos que andam de transporte coletivo, teremos dois terços da população das cidades que usam calçadas (já que estes vão do ponto de origem até a parada do ônibus). Calçada em boas condições não é concessão de governo nem de Prefeitura. Mas um direito do cidadão. A Prefeitura do Recife vem fazendo um esforço para dotar nossas calçadas de melhor qualidade. O problema é que programas como o “Calçada Legal” rendem, também, muita polêmica. Por conta de desperdícios e, também, de descaracterização daquelas com pedras portuguesas.
Na Praça de Casa Forte, por exemplo, proprietários de imóveis colocaram avisos alertando a Prefeitura que as suas calçadas estavam em boas condições e que, portanto, não deveriam ser modificadas. Algumas das exigências foram respeitadas, outros moradores fizeram acordos e houve aqueles que conseguiram manter as calçadas como queriam. Ou seja, na forma original já que, segundo eles, estavam em boas condições e destruí-las seria um verdadeiro desperdício. Nesta semana, ao passar pela Praça Rádio Jornal do Commercio, em Casa Forte, encontrei as suas pedras portuguesas removidas, trechos interditados e toneladas de pisos intertravados para serem colocados. Achei estranho, pois a pracinha tinha calçadas tão bonitas.
Leia maisAo chegar em casa, me deparei com uma mensagem de Ana Rita Sá Carneiro, que é Coordenadora do Laboratório de Paisagismo do Curso de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco. Para os que não lembram, Ana Rita – velha colega dos tempos do Colégio Vera Cruz – foi a principal responsável pelo inventário das praças e jardins públicos deixados no Recife pelo saudoso paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994), que findou pela transformação de quinze deles em jardins históricos, dos quais seis são tombados pelo IPHAN. E, portanto, não podem ser descaracterizados. Ainda bem. Caso contrário, não saberíamos como estariam, hoje, praças como a de Casa Forte, a Euclydes da Cunha, a da República, a Salgado Filho, a Farias Neves, a do Derby. Com seu olhar clínico de arquiteta urbanista e paisagista, ela confessou que não gostou do que viu, na Praça, que fica nas imediações do Plaza Shopping e do Mateus Hipermercado. A arquiteta assustou-se com a intervenção:
“Fiquei pasma com o desperdício na retirada das pedras portuguesas da Praça da Rádio Jornal do Commercio, que fica em frente ao Plaza e ao McDonalds. Era lindo o desenho e as pedras estavam bem assentadas. Não precisava de mudanças para o intertravado”.
E, se há aqueles que pensam que padronizar tudo é a solução, a arquiteta discorda. Realmente há exemplos no Recife que são verdadeiros atentados contra a harmonia arquitetônica da cidade. Um exemplo: as luminárias antigas de ferro que foram substituídas por outras de material bem mais ordinário e algumas horríveis. É só comparar, por exemplo, uma foto antiga com uma atual da Ponte Duarte Coelho. Para ficar mais perto da Praça da Rádio Jornal do Commercio, é só observar uma foto mais antiga da Praça José Vilela com a atual. E as calçadas respondem, também, por parte da identidade das cidades. E respeitá-las, restaurando-as, talvez seja mais interessante do que descaracterizá-las. A opinião de Ana Rita sobre a intervenção na Praça Rádio Jornal do Commercio:
“Infelizmente, o que vai ficar é aquele piso padrão cinzento na paisagem. Entendo que responde à acessibilidade, mas era preciso respeitar a preexistência e a relação com o desenho artístico com as pedras portuguesas e, em diferentes tons, trazia relação com a disposição dos bancos e aos acessos ao seu interior. Considero a mudança como um descuido e um descaso”.
Estou com Ana Rita. Algumas iniciativas fazem bem à cidade, como a troca de gelos baianos – aqueles famigerados blocos de cimentos, por canteiros. Também gosto de ver o Recife com mais parques e praças. Porém sou do time que a identidade de cada cidade tem que ser preservada. Assim como de suas praças e calçadas. Pois de atentado estético, o recifense já está cheio. Pois a cidade, tão bonita, merece respeito pelo que foi e pelo que, hoje, deveria ser.
*Jornalista do Oxe Recife
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