Mas quem lhe deu a régua e o compasso da vida foi uma de suas tias, Enedina, que, no curso na infância, fez cruzar o seu destino com Pernambuco, Estado que poderia ter sido o berço natal de Anna se seus bisavós não tivessem se estabelecido na região amazônica após um longo período de seca que assolou o sertão nordestino no fim do século passado.
Enedina, que ajudou a avó na criação de Anna, casou-se com Sávio Benevides, funcionário do Banco do Brasil, que vivia mudando de cidade, conforme as necessidades de transferências do banco. Passou primeiramente por Parintins, depois em Obidos, no Pará. Em seguida foi transferido para Aracati, no Ceará, e, posteriormente, para Caruaru.
Havendo concluído seus estudos primários no Amazonas, Anna Maria partiu para Recife de navio ao encontro de Enedina. Nesse mesmo período, um de seus primos faleceu de febre tifóide, deixando sua tia abalada emocionalmente. Em meados de fevereiro de 1957, chegou ao destino que lhe abrigara. Pelo fato de nunca ter saído de seu berço amazonense, e pelo desconforto com o novo clima semiárido que viveria em Caruaru, Anna Maria chorou copiosamente.
Mas depois de pisar em solo pernambucano, nunca mais voltou a sua Acajatuba, cidade que quase não tem recordações, nem aquela foto na parede, como fez Carlos Drummond com sua Itabira. Se a Itabira do poeta mineiro na parede era sinal de dor da saudade, de Acajatuba Anna parece ter infiltrado no seu sangue apenas a virtude da coragem.
Em Caruaru, começou a frequentar o colégio mais tradicional da cidade, o do Sagrado Coração, onde fez muitas amizades. Mas a passagem pela terra de Vitalino foi curta. Sua família resolveu levá-la para Recife, a fim de que não perdesse o interesse pelos estudos, pois em Caruaru era requisitada em bailes, encontro de jovens e aniversários pela razão de sua inquietude. “Dancei e namorei muito em Caruaru”, recorda ela.
As intempéries da vida, com o passar dos tempos, a fez uma mulher guerreira, daquelas que no dia a dia travam batalhas silenciosas, invisíveis, às vezes simples, muitas vezes complexas. De tão forte e decidida, Anna Maria parece ser aquela mulher que abala tudo quando pisa o chão, que acalma com seu colo, que amolece com sua ternura e vence com sua paciência.
Em 1959, ao chegar no Recife, Anna Maria foi morar na avenida Conde de Boa Vista, endereço perto de onde a família de Marco Maciel morava. Passou então a estudar no Colégio São José e logo nos primeiros meses, morou com uma amiga, voltando a viver com a família após uma nova transferência do tio bancário. No ano seguinte, prestou vestibular em Ciências Sociais e Filosofia, iniciando uma nova fase no campo acadêmico. Não sabia, entretanto, que o destino iria cruzar a sua vida com a de Marco Maciel.
Com pouco tempo, conheceu o jovem Marco Antônio, como assim o tratou até a morte, que cursava Direito e era presidente do Diretório Central dos Estudantes de Pernambuco, já em campanha pela reeleição. A reeleição tinha um impasse na votação, pois Sílvia Suassuna, representante da Faculdade de Filosofia, era adepta ao grupo formado por Marco Maciel, seu amigo, mas estava sendo obrigada a votar em outra chapa.
Com isso, houve um acordo em que ela se afastou e Anna Maria assumiu seu lugar, dando vantagem para a chapa de Maciel. Após pressão dos alunos de filosofia exigindo um representante do curso na chapa em vantagem, Anna Maria foi eleita segunda-secretária do DCE. Com a aproximação criada dentro do DCE e com as ideias vanguardistas e estilo hiperativo, Anna Maria começou a ter ainda mais afeição por Marco Maciel.
Começaram a nutrir sentimentos mútuos que os levaram até o namoro, que durou cinco anos. Durante esse tempo, Anna Maria sempre questionou o temperamento tímido e introspectivo de Marco Antônio, contraponto para a carreira política que ele almejava. Noivaram e Maciel, já deputado estadual, conseguiu um financiamento de 15 anos e comprou uma casa.
O casal contraiu núpcias em 28 de dezembro de 1967, na Igreja do Espinheiro, numa cerimônia celebrada pelo padre Melo e por um frade da Ordem dos Carmelitas, Dom Eliseu. Como lua de mel, viajaram para o Rio de Janeiro e Salvador. Da relação, tiveram três filhos: Gisela, Cristiana e João Maurício. Já formada em Ciências Sociais, Anna Maria passou num concurso da Sudene e foi trabalhar no setor de Recursos Humanos, no qual também fazia pesquisas sociais.
Por 54 anos, conviveu com Marco Maciel. Foi primeira-dama de Pernambuco em 15 de março de 1979, com a posse do marido. Durante o governo de Marco Maciel, viveu intimamente momentos decisivos da história política do Estado. Participou de campanhas, inauguração de adutoras e projetos assistenciais, além de ter dirigido a Cruzada de Ação Social.
O gabinete do governador era embaixo da residência, ele se empolgava e não tinha hora para subir, nem para comer, descansar, era horrível. “Muitas vezes, eu ficava de madrugada esperando ele chegar do interior, sentada na sala virada para frente olhando a passarada na Praça da República. Quando amanhece, ali enche de pássaro e é lindo. Sou fascinada por pássaros. Eu queria acariciar os pássaros, mas eles não chegavam perto”, contou.
Com a posse de Marco Maciel em 1 de janeiro de 1995 como vice-presidente de Fernando Henrique Cardoso, Anna Maria se tornou a segunda-dama do Brasil, substituindo depois de um período de dez anos, a ex-segunda-dama Marly Sarney. Há 15 dias, num longo depoimento sobre o drama de Marco Maciel para vencer o Alzheimer, Anna Maria falou sobre o drama da perda da mãe no seu parto.
“Minha mãe morreu em consequência do parto. Eu era caçula de 14 filhos, fui criada pelas minhas tias. Minha mãe, até para morrer, era diferente. As pessoas morriam na cama de casa, dizendo o que queriam. Antes de morrer, ela falou que queria que eu viesse para a capital. Então, sou registrada nascida em Manaus”, disse.
Sobre a relação com Maciel, ainda recorda que ele nunca teve ciúmes. “Nunca se preocupou para onde eu ia ou deixava de ir, se eu pintava o cabelo de verde, azul, amarelo, nunca deu palpite. Ele só tinha dois ciumes, que era a coisa mais engraçada: que eu não ousasse colocar vestido muito decotado nem vestido curto. Ele não gostava. Ele também não gostava de chegar em casa e eu não estar. Ele botava uma tromba de elefante. Mas eu podia sair para onde eu quisesse, mas desde que quando ele chegasse em casa, eu estivesse”, acrescenta.
Nos últimos dez anos, Anna Maria viu o mundo desabar sobre a sua cabeça com a confirmação de que o marido havia desenvolvido Alzheimer. Foi ao longo desse tempo que ela revelou-se mais guerreira ainda. Não foi fácil. “Quando a doença apareceu, se eu saísse, ele enlouquecia. Uma vez ele ligou para o meu filho e disse: “Sua mãe sumiu”. E aí meu filho disse: “Meu Deus”. E eu tinha um hábito muito ruim, que era não ver o celular. Eu estava com meu celular desligado. E aí João Maurício, meu filho, resolveu vir aqui. E aí quando ele chegou, viu que eu estava no quarto, escrevendo. Então, Rosa, minha irmã, me ajudava muito nessas horas. Quando eu precisava sair, chamava ela ou minhas amigas para ficar fiscalizando ele”, disse.
Amigos que conhecem Anna Maria de perto dizem ser uma pessoa especial. “Uma mulher virtuosa, extraordinária, guerreira, uma companheira de vida, alma gêmea de Marco Maciel”, testemunha o engenheiro Aloisio Sotero, que a conhece desde quando foi secretário de Agricultura no Governo de Marco Maciel.
“Existe um provérbio que diz que “Por trás de um grande homem há uma grande mulher”, no caso de Dona Anna ela sempre esteve ao lado e, muitas vezes, à frente, quando necessário”, afirma, por sua vez, Silvio Amorim, ex-subchefe da Casa Civil no Governo Marco Maciel, ao se referir, especialmente, a grande batalha que ela enfrentou na doença que tirou a vida do marido.
“Mamãe foi mais do que guerreira, uma heroína. Em nenhum momento deixou meu pai desamparado, cuidou dele com muito amor do início da enfermidade até a morte”, desabafa Gisela, a filha primogênita, residente em Goiás. “Mamãe foi a verdadeira cuidadora do meu pai. Nunca a vi perder o controle emocional um só dia. Não sei onde encontrou tanta energia e disposição, só pode ser coisa de Deus”, diz, por sua vez, Cristiana, a segunda filha, residente em Brasília.
Anna cuidava de tudo do marido. “Até das finanças, porque papai não andava sequer com carteira. Foi mamãe que cuidou, por exemplo, de vender o apartamento que a família tinha no Recife para comprar outro em Brasília”, diz João Maurício, filho caçula. “Marco confiava muito em mim nessa questão ( financeira). A gente não tinha luxo, ele não tinha cartão de crédito, não andava com dinheiro e até nas missas quem levava o dízimo para ele dar era eu”, diz Anna.
Até motorista de Maciel, Anna foi em muitas ocasiões em que ele não queria chegar ao local de um encontro em que a Imprensa estivesse de tocaia. “Eu já levei Marco Antônio perto da meia noite para uma reunião, porque ele não dirigia”, lembra. Como conviver tantos anos sem atritos e ser tão feliz?
“Eu fui muito feliz com Marco Antônio. Eu não poderia ter encontrado uma pessoa para me casar que tivesse tamanha tolerância e compreensão. Às vezes acho que isso foi bondade divina”, revela Anna, com olhos marejados.
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