“Foi muito bom que Marco Maciel buscasse a nossa companhia. Era natural que o escritor, o professor universitário, o conferencista, o pensador, conhecesse a saudação de chegada em mais uma academia, pois já as ouviu ao ser introduzido na Academia Pernambucana de Letras. Naquela ocasião, escutou de um confrade este prognóstico: “Foi natural que integre a Academia, a Pernambucana. Isto, por enquanto.” Pois bem, o “por enquanto” acabou. Marco Maciel chegou à Academia Brasileira”, saudou o acadêmico Marcos Vinicios Vilaça, em seu discurso de recepção ao novo imortal.
Como lembrou Vilaça, ao reproduzir a profecia de um colega de que Maciel seria um dia imortal da ABL, para brigar pela vaga, o ex-senador madrugou para fazer a sua inscrição como candidato, logo no primeiro dia permitido, em 14 de agosto do mesmo ano, por e-mail. Cumpriu à risca a rotina dos postulantes à Casa de Machado de Assis, mantendo contato com os acadêmicos e comparecendo como convidado às ocasiões especiais da ABL.
Foi a posse do jornalista Cícero Sandroni, logo de largada. A eleição, considerada difícil a princípio devido à disputa com Fernando Morais, acabou durando apenas 35 minutos, com vantagem folgada para o político pernambucano. Marco Maciel passou a ser o oitavo ocupante da Cadeira nº 39, na sucessão de Roberto Marinho e recebido em 3 de maio de 2004 pelo Acadêmico Marcos Vinicios Vilaça.
No exercício do mandato acadêmico, Marco Maciel lançou mais três livros – Tempos de Mundialização, Reformas e Governabilidade, Palavras, ações, obras e Política das Ideias. No Senado, produziu uma centena de plaquetes sob os mais variados temas, como Cem anos da República, Nordeste e semiárido, Gilberto Freyre, Luiz Gonzaga e até sobre Ciência e Tecnologia.
O pensamento acadêmico de Marco Maciel pesou na sua escolha. No livro, Democracia e Brasilidade, destacou: “Não podemos pensar em democracia se não tivermos uma sociedade partícipe. Não podemos ter uma sociedade de excluídos. Dar o voto ao analfabeto é importante, mas não lhe assegura o direito à cidadania”. E também: “Não seremos uma Nação justa, equilibrada e solidária, enquanto o direito à vida, à Educação, à saúde, ao trabalho e à Cultura não forem assegurados a todos os brasileiros”.
Do seu sentimento do arrocho pernambucano, sem queda da expressão da brasilidade: “O sacrifício supremo de Frei Caneca há de estar sempre presente na consciência nacional, como exemplo da dedicação pernambucana à causa da nacionalidade e das ideias liberais”.
Nas sentenças no plano geral da Política, ênfase para o liberalismo: “O Liberalismo que defendo é o Liberalismo Social, que nada tem a ver como estilo de vida com o laissez-faire, laissez-passer. “Não prego o Estado mínimo, nem acredito que a “mão invisível do mercado” seja capaz de regular com eficiência os conflitos sociais. Acredito, como Popper, que o importante em Política não é saber quem deve governar, mas sim que parcelas de nossa liberdade devemos ceder no governo. Liberalismo é humanismo, anterior a qualquer ideologia”.
Das valiosas e numerosas publicações sobre a questão educacional, citava de H.G. Wells: “A civilização é uma corrida entre a Educação e a catástrofe”. Sobre a família: “Repito com Isaías, todo ser humano é como erva, e toda a sua glória como flor do campo. A erva seca, a flor fenece e somente a palavra de Deus permanece”.
“Estamos muito contentes com a entrada de Maciel na Academia”, disse, na época, o presidente da ABL, Alberto da Costa e Silva, acrescentando: “Ele é uma grande figura pública brasileira e um homem de encanto pessoal inexcedível “.Sou exclusivamente um homem público e pretendo trazer a contribuição da atividade pública para a Academia, principalmente nas questões de Governo e na discussão das reformas políticas. Estou muito feliz, nunca pensei que conseguiria entrar para a ABL”, comemorou Maciel, empolgado, durante a reunião de cumprimentos no Hotel Glória, onde esperou o resultado.
Maciel tomou posse na ABL no dia 3 de maio de 2004. Em seu discurso, contou uma das suas lembranças do presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, a quem sucedeu, falecido em 6 de agosto de 2003, aos 98 anos. “Eu podia contar muitas histórias sobre ele, mas conto apenas uma, quando ele completou 90 anos. No dia seguinte à comemoração do aniversário, depois de ter ficado insone por causa dos festejos, ele me levou à redação do jornal O GLOBO para uma visita, por volta da meia-noite de sábado”, disse.
E completou: “Isso demonstra que era uma pessoa muito ativa, com muita flama, energia o tempo todo. Foi alguém que, aos 61 anos, teve a capacidade de começar o empreendimento na televisão”. Saudado pelo acadêmico Marcos Vilaça, Marco Maciel conheceu Roberto Marinho nos anos 70 e o encontrava com freqüência.
“Nos anos 80, no período da transição e da eleição de Tancredo Neves, a nossa relação se estreitou – contou Maciel, que destacou o perfil de homem público de Roberto Marinho: “Embora não tenha exercido mandatos eletivos ou desempenhado diretamente funções públicas, foi um homem público que viveu o século em parceria com o Brasil. Comportava-se mais como jornalista e um homem público do que como empresário”.
A posse de Marco Maciel foi prestigiada. Além de uma grande colônia pernambucana, estavam lá o então vice-presidente José Alencar, o prefeito do Rio, César Maia, os senadores José Sarney, também acadêmico, Antônio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen. Vilaça começou seu discurso destacando que ali chegava um político por vocação.
“A Política é a sua vocação. Jorge Semprun conta que na admissão aos horrores de Bunchenwald indagava-se da profissão, mas profissão no sentido burocrático de produzir algo material para o campo de concentração. Quando disse: “Sou filósofo”, a reação foi brava. Isto não é profissão, rebateu a voz de censura. Retrucou Semprun: “Pode não ser profissão, mas é vocação.”
“No caso de Marco Maciel”, acrescentou Vilaça, “poderia proclamar em nosso pórtico compromissos com a vida pública como a sua grande vocação. Seria bem aceito. A Academia não é política, mas não é apolítica, nem politófoba. Esta Instituição estaria desinteressada dela própria se estivesse desinteressada do destino da Pátria. A Academia é um espaço de liberdade e convívio. E de solidariedade. Tanto que, passada a eleição, queimadas as cédulas, todos se proclamam eleitos por unanimidade. É da tradição. Dizemo-lo alto e bom som”.
Vilaça foi mais além: “Marco é como que a versão moderna do Marquês de Olinda, para quem Câmara Cascudo reservava essa observação: “Araújo Lima não acelera, não retrograda, mas também não para.” Por isso, o estilo de Marco Maciel não tem nada de Opus Dei e tudo de “opus by day and by night”. Por outro lado, a tradição pernambucana é a dos intelectuais engajados na Política, de que Nabuco é o exemplo básico. Como Nabuco, Marco Maciel chega à Academia sem trazer da Política nenhuma decepção, nenhum amargor, nenhum ressentimento”.
Por fim, Vilaça destacou algumas virtudes de Maciel: “É um coerente. É discreto, mas sem o pecado da omissão. E tenham certeza de que continua a espionar o que ainda lhe reserva o tempo, sem pressa e sem descanso. Marco Maciel é teimoso. Não parece, mas é. Só que a sua teimosia é de utilidade pública. Uma das coerências da obra escrita de Marco Maciel é o reconhecimento ao que aprendeu em Gilberto Freyre. É raro um texto seu em que não haja pinçado uma lição gilbertiana”.
Em seu discurso de posse, Marco Maciel falou da pernambucanidade. “Nosso ufanismo é muito mais antigo, surgido no século XVII com a expulsão dos holandeses, numa guerra planejada e realizada inteiramente à revelia da coroa portuguesa, disposta a negociar o Nordeste brasileiro. Um dos livros básicos sobre o assunto – o do monge beneditino e meu ilustre conterrâneo Domingos do Loreto Couto – intitula-se significativamente Desagravos do Brasil e glórias de Pernambuco. Por isso, ao prefaciar o livro de Gilberto Freyre Região e Tradição, editado na década de quarenta, o saudoso romancista José Lins do Rego escreveu que o povo pernambucano foi “capaz de expulsar os holandeses e fazer o carnaval mais alegre do mundo”.
Ainda sobre Pernambuco: “No século XIX, os pernambucanos voltaram a lutar contra a opressão, dessa vez exercida pela própria metrópole, em duas “revoluções libertárias”, como as chamou o poeta Manuel Bandeira no poema Evocação do Recife. A guerra dos mascates, uma guerra de “afirmação nacionalista”, como observou Mário Melo – e as revoluções de 1817 e 1824 também suscitaram uma obra clássica de nossa historiografia: Os Mártires pernambucanos, do Padre Joaquim Dias Martins, somente publicada em 1854, mas escrita vários anos antes. Saliente-se, por oportuno, a insuspeição do autor, que era português. Temos, portanto, ali e acolá, razões de sobra para nos orgulhar de nossa pernambucanidade, palavra inventada pelo mestre Gilberto Freyre para caracterizar o nativismo de Pernambuco, tão precisamente interpretado por Oliveira Lima”.
Sobre sua vocação literária, afirmou: “O ato de escrever, afirmou com propriedade Adonias Filho, é o mais público de todos os atos”. Na semântica dos nossos tempos, esta palavra encontrou atualidade em Rui, ao dizer: “A Pátria não é ninguém, são todos; cada qual tem no seu seio os mesmos direitos à ideia, à palavra, à associação”. República é assim a cidadania, a coisa do povo, o bem comum”.
Fez ainda uma contextualização sobre a morte: “A morte – sentenciou Rui Barbosa – não extingue: transforma; não aniquila: renova; não divorcia: aproxima. O sentimento que se tem, após sua morte, é o de que, quanto mais longe do seu desaparecimento, mais cresce sua figura exuberante, ornada pela sua obra”.
Por fim, falou da sua emoção de virar imortal: “Aqui estou num dos momentos mais fascinantes da minha vida, envergando o fardão, ostentando o colar e empunhando a espada. Mas não sem saudade, saudades muitas. De minha mãe, Carmen Sylvia, sempre presente na memória e no coração, e de quem recebi total afeto e permanente estímulo. Dos idos no velho casarão do Colégio Nóbrega, onde menino comentava as vitórias do meu Santa Cruz, sob os apartes dos torcedores do Náutico e do Esporte; onde os jesuítas inculcaram, juntamente com meus pais, formação intelectual e sólida fé cristã”.
Sucessor de Marco Maciel na ABL, o jurista José Paulo Cavalcanti tomou posse destacando: “Eu estou muito honrado de estar em uma cadeira que é a cara de Pernambuco. O primeiro ocupante foi Oliveira Lima, aquele que Gilberto Freyre chamava de Quixote gordo. E o último a ocupar também foi Marco Maciel. A melhor definição de Maciel foi dada pelo ex-governador Gustavo Krause: “É o ser menos imperfeito que conheci em toda a minha vida”. Suceder um pernambucano tão ilustre quanto Marco Maciel é um privilégio para mim”.
E acrescentou: “Eu acredito, na verdade, que [com minha eleição] a Academia, de alguma forma, prestou uma homenagem a Pernambuco. Não prestou a mim, mas ao Estado, pois esta cadeira tem a cara de Pernambuco”.
Ao final do discurso de Marcos Vilaça a Maciel, o que mais repercutiu foi a seguinte parte: “Desconfio que se houvesse escolhido o sacerdócio, hoje saudaria Marco Maciel assim: “Dom Marco Antônio, o Cardeal Maciel. Imagino, só por provocação, o brilho nos Concílios, as articulações nos corredores do Vaticano, o contributo espiritual à redação das Encíclicas, a oportunidade do solidéu e a impossibilidade da tonsura, o séquito de mitríferos, baculíferos e turibulários, tudo encimado pelo exemplo das virtudes teologais”.
“Mas foi bom que Deus o tenha destinado para ser pai de família, grande pai de família. Foi muito bom! E Anna Maria nunca faltou. E o pai, o quase centenário e tão lúcido Dr. Maciel? O filho mesmo pode explicar, como neste texto: “E no seu exemplo (do pai), aprendi a identificá-la (a Política) como uma síntese de desprendimento e coragem, conhecimento e ação, de ousadia e prudência, de inteligência, discernimento e responsabilidade”.
“Já da Dona Carmen quero contar a cena que mantenho na mente e que faz parte daquela conversa do coração de mãe, a desfibrar fibra por fibra. Era época de vestibular para a Faculdade de Direito. Muita queima de pestana. Madrugadas de olhos abertos. Alegrias adiadas. A casa repleta de colegas para estudos em grupo, desatentos à alimentação e concentrados nos livros. Ele fugindo de D. Carmen. Ela implora, sem sucesso, que tome, pelo menos, um copo de leite. Vencida, desabafa: Quando passar o vestibular, vou tomar conta da alimentação deste menino. Ao que parece, o vestibular continua…”
Veja amanhã:
Marco Maciel não deixou herdeiros na política
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