Nos EUA, The Atlantic foi ao extremo com a manchete “Rússia desliza para a Guerra Civil”, sábado, assinada por Anne Applebaum. Logo abaixo, comparava Vladimir Putin ao czar Nicolau 2º, executado pela Revolução de 1917. Doze horas depois, já admitia sem destaque que “Golpe acabou, mas Putin está em apuros”.
Jornais chineses ligados ao PC demoraram a manchetar e, quando o fizeram, foi com “Putin promete ações decisivas contra rebelião”, no Global Times. Análise do colunista Hu Xijin dizia que na história russa não há ações bem-sucedidas de “senhores da guerra” como Ievguêni Prigojin e que o teste viria depois, na eventual resposta da sociedade “ansiosa pelo fim da guerra”: como a sociedade russa reagirá a seguir é crucial. Se a maioria está disposta a permanecer firmemente com o Kremlin [ou não] será um teste que não permitirá qualquer falsa aparência.”
Leia maisTarde de domingo em Pequim, o China Daily informou laconicamente que o ministro do exterior, Qin Gang, recebeu o vice-ministro russo do exterior e que “discutiram as relações bilaterais e outras questões internacionais e regionais de interesse comum”.
Horas depois, o ministério chinês soltou nota curta “sobre o incidente do grupo Wagner”, dizendo que “é assunto interno da Rússia”, mas que, “como vizinho amigável e parceiro estratégico, a China apoia a Rússia na manutenção da estabilidade nacional”.
Apelo à paz
Em mídia social chinesa, segundo o site What’s on Weibo, houve apoio à Rússia, mas não faltou netizen zombando o mesmo apoio. Manya Koetse, que edita o site, avalia que “uma resposta predominante é um apelo à paz”. Destaca esta postagem: “Uma Rússia fragmentada seria o fator desestabilizador mais perigoso do mundo”.
O tópico sobre o discurso de Putin alcançou 1,2 bilhão de visualizações em poucas horas, no Weibo, linkando perfis de jornais como Huanqiu, o Global Times em chinês. E um dos usuários mais influentes foi, mais uma vez, Hu Xijin, com a reprodução em chinês de sua análise.
Obstáculos à normalização
O desgaste do conflito vem ganhando espaço na China, pela voz de acadêmicos como Yan Xuetong, da Universidade Tsinghua —onde estudaram Xi Jinping, Hu Jintao e outros. Dias atrás, ao anunciar um Fórum Mundial pela Paz, com transcrição pelo Pekingnology, Yan deu a guerra na Ucrânia como “um dos maiores obstáculos à normalização das relações da China com os países ocidentais”:
“Pessoas me criticam, dizendo que essa guerra serve como barreira estratégica e pode conter os EUA. O que vemos é que os EUA não enviaram um único soldado à Europa. Pelo contrário, países da Otan na Europa têm ampliado presença militar na Ásia-Pacífico. A guerra, em vez de aumentar a segurança, sujeitou a China a mais ameaça”.
Uma semana antes, no relato do South China Morning Post, o pesquisador Liu Weidong havia defendido reconsiderar os laços com a Rússia e “fazer amizade com mais países”, em evento na Universidade Renmin, também de Pequim. Foi secundado pelo professor Zuo Xiying, apoiando equilibrar as relações com Moscou para se contrapor à estratégia dos EUA de unir aliados contra Pequim.
“A China não deve ficar ao lado nem da Rússia nem do Ocidente, mas numa posição que priorize seus interesses nacionais”, disse Zuo.
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