Conhecido pela retórica inflamada contra adversários, o ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT) coleciona condenações por danos morais e tem sido alvo de ações de execução em série, o que já resultou em penhora e leilão de imóveis, constante bloqueio de valores em suas contas bancárias, incluindo R$ 101 mil na conta de sua mulher, chegando até o recente impedimento para licenciar um carro.
Ciro declarou no ano passado — quando disputou a Presidência e ficou em quarto lugar— patrimônio de R$ 3 milhões, mas a Justiça tem encontrado dificuldade para fazer valer as cobranças. As informações são da Folha de São Paulo.
Leia maisPrefeito, governador, ministro e quatro vezes candidato à Presidência, Ciro é alvo ou figura como autor em cerca de uma centena de ações criminais e cíveis relativas a danos morais, em especial no Ceará e em São Paulo.
A defesa do ex-presidenciável afirma que Ciro sofre restrição incomum ao seu direito de expressão, que as punições têm valores muito acima do normal e que ele não tem recursos e bens penhoráveis para cobri-las.
Diz ainda que as suas “nítidas dificuldades financeiras” decorrem de ele ser um político honesto, que não responde a processo de dano ao erário e que vive do seu salário. Como vice-presidente nacional do PDT, Ciro recebe remuneração mensal de R$ 23,5 mil.
Na lista dos que ingressaram na Justiça alegando terem sido ofendidos pelo pedetista estão os ex-presidentes da República Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e Jair Bolsonaro, além de políticos como José Serra (PSDB-SP), Eunício Oliveira (MDB-CE), Damares Alves (Republicanos-DF), Ricardo Salles (PL-SP), Eduardo Cunha (MDB-SP), João Doria (SP) e Valdemar Costa Neto (PL).
Contra alguns desses, como Ricardo Salles (chamado de “ex-ministro do desmatamento e contrabando”), Eduardo Cunha (“trambiqueiro”) e Doria (“farsante”), Ciro obteve vitórias, mas a lista de reveses tem empilhado condenações já na fase de execução que, somadas e corrigidas, ultrapassam a casa do milhão.
Só na Justiça de São Paulo, há 13 processos listados, sendo 9 protocolados de 2018 até agora.
Um deles diz respeito a ele ter chamado em 2018 o vereador paulistano Fernando Holiday (Republicanos) de “capitãozinho do mato”. Holiday entrou no Juizado Especial Cível, e Ciro acabou condenado a indenizá-lo em R$ 38 mil.
A ação de cumprimento da sentença tramitou por quatro anos sem que houvesse o pagamento, apesar de sucessivas tentativas de penhora de imóveis e busca de saldos em contas bancárias. A situação só mudou com a penhora em 2 de fevereiro deste ano da casa de Sobral que Ciro havia herdado da mãe, dona Mazé.
Uma empresa, porém, informou à Justiça que havia comprado a casa dois dias antes, em 31 de janeiro, e apresentou comprovante de repasse de R$ 561 mil para a conta de Giselle Bezerra, mulher de Ciro.
A Justiça então autorizou em abril deste ano o bloqueio de R$ 101 mil (valor atualizado devido a Holiday) da conta de Giselle. Felipe Boarin L’Astorina , advogado de Fernando Holiday, afirmou que entrará agora com ação de execução para pagamento dos honorários de sucumbência (valores devidos pelo perdedor da ação aos advogados da parte vencedora).
“O mais importante foi a condenação dele pela ofensa, o que acabou servindo de exemplo para que tenhamos um debate mais civilizado sobre o racismo no Brasil, independente de ideologias”, disse Holiday.
De acordo com esse processo, restaram dois imóveis a Ciro que são impenhoráveis — um por ser sua residência e o outro por estar financiado pela Caixa.
Ciro também entrou com ação contra Holiday, por ter sido chamado de “coronelista”, mas perdeu em todas as instâncias.
Em outra ação de cobrança de honorários de sucumbência, a advogada Regina Marilia Prado Manssur pediu R$ 47 mil em 2020. Ela integrou a defesa de Collor (chamado “playboy safado” e “cheirador de cocaína”), cuja vitória resultou no leilão judicial de um apartamento de Ciro em 2021, no valor de R$ 520 mil.
Manssur também não recebeu ainda os valores, passados três anos.
Na última quinta (18), ela se opôs a pedido dos advogados de Ciro para que o veículo Toyota Hilux SW4 ano 2010 passe de “bloqueio do licenciamento” para “bloqueio da transferência” —o argumento é o de que Ciro não está conseguindo pagar as taxas do Detran.
O pedetista também perdeu ação movida contra a Editora Abril pela publicação de uma reportagem em 2018 e foi condenado a arcar com os honorários dos advogados.
“Em que pese o início da execução ter sua origem em fevereiro de 2018, há mais de 5 anos, até o momento não houve satisfação do crédito perseguido”, disse em nota o escritório Fidalgo Advogados.
Ciro chegou a fazer acordo de pagamento amigável em 2021, mas acabou não cumprindo. O débito atualizado, com correção e multa, está em R$ 19 mil.
Serra, chamado de o candidato dos “grandes negócios e negociatas”, ganhou ações que atualmente somam cerca de R$ 800 mil em indenização, de acordo com os processos. Cerca de 10% já foi pago por meio de bloqueio em contas bancárias de Ciro.
De acordo com relatório da Justiça do Ceará de setembro de 2022, havia 71 processos em trâmite em que Ciro era polo passivo. Desse total, 41 tinham como parte ativa Eunício Oliveira, que virou desafeto em 2014, ocasião em que foi chamado de “mistura de Pinóquio com irmão metralha”.
Eunício, que também já foi processado por Ciro, a quem chamou de “coronelzinho decadente, mentiroso e dissimulado”, tem patrimônio declarado de R$ 158 milhões e disse ter arrematado o apartamento leiloado em 2021 no processo movido por Collor.
Ciro também já sofreu três condenações por danos morais em processos contra o ex-candidato a governador do Ceará Capitão Wagner (União Brasil). As ações, ainda em fase de recurso, somam R$ 60 mil, sem correção.
Durante o motim de PMs no Ceará, em 2020, Ciro chamou o então deputado federal de “miliciano”.
Advogado diz que Ciro vive só de seu salário
Indicado pela assessoria de Ciro para se manifestar sobre o assunto, o advogado Walber Agra afirma que as “nítidas dificuldades financeiras” de seu cliente decorrem “de ele ser um político honesto, que não responde a nenhum processo de dano ao erário, e ser um cidadão de classe média”.
Agra, que é professor da Faculdade de Direito do Recife e que também advoga para o PDT, divide com o escritório de André Xerez, do Ceará, a defesa de Ciro nos processos.
“O não pagamento se deve exclusivamente a falta de recursos e de bens penhoráveis, haja vista que ele recebe apenas salário para o seu sustento e de sua família”, acrescentou Walber.
O advogado também criticou as condenações e o valor das multas aplicadas.
“O que mais chama a atenção é que a restrição ao direito de liberdade de expressão de Ciro Gomes é muito mais alargada que os demais casos. Outra coisa que chama a atenção é o valor das multas, muito acima da maioria das estabelecidas na jurisprudência”.
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