Everardo diz que rombo inviabiliza arcabouço fiscal

Por Magno Martins – exclusivo para a Folha de Pernambuco 

Ex-chefe da Receita Federal da era FHC, o geólogo pernambucano Everardo Maciel disse, ontem, à Folha, que o anúncio do déficit primário de 2023, em torno de R$ 230 bilhões, reforça os temores quanto à viabilidade do arcabouço fiscal, porque, segundo ele, foi fundado em um incerto aumento de arrecadação e um provável aumento dos gastos públicos (fundos eleitoral e partidário, emendas parlamentares, concursos para contratação de servidores públicos, projetos do PAC, etc.)

Para ele, a restrição, prevista na MP nº 1202/2023, à compensação de tributos vinculada a decisões judiciais com trânsito em julgado, corresponde a um empréstimo compulsório sem o devido amparo constitucional. “É mais do que isso. Ao postergar a compensação sem a incidência dos mesmos encargos que alcançaria o tributo não pago, gera-se um desequilíbrio de tratamento para o contribuinte que pode ser qualificado como utilização do tributo para fins confiscatórios, o que é expressamente vedado na Constituição”, afirmou.

Há, também, segundo ele, uma discriminação de tratamento em função do valor da compensação, o que concorre para produzir uma robusta combinação de inconstitucionalidades. “A MP não se limitou, contudo, àquela excentricidade. Promoveu a reoneração da folha de pagamento para 17 setores e extinguiu os incentivos fiscais do setor de eventos”, disse.

Everardo entende que a prorrogação da substituição da folha de salário pela receita bruta, na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, foi matéria decidida pelo Congresso. “O veto do Poder Executivo à decisão foi derrubado com o voto de mais de 80% dos parlamentares. A pretensão de reonerar a folha é ostensivamente ofensiva à independência e harmonia dos Poderes”, alertou.

E acrescentou: “Alega-se que há estudos que apontam a ineficácia da desoneração da folha como instrumento para gerar empregos. Não se examinou, entretanto, se ela deteve o desemprego. Afinal, a excessiva carga tributária sobre a folha de salários é relevante explicação para a informalidade. Não estou certo de que a receita bruta seja a mais adequada base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, porém nenhuma dúvida tenho quanto à inadequação da folha de salário como fonte de financiamento da Previdência, especialmente em razão da revolução tecnológica”.

Segundo ele, incentivos fiscais provavelmente não seriam os mais adequados instrumentos para enfrentar as dificuldades do setor de eventos, em razão da pandemia. “Entendo que seria mais apropriado conceder-se anistia e remissão. Por que, contudo, cuidar desse tema somente no final do ano? A busca obcecada por receitas combinada com a leniência com o gasto público não é uma boa opção”, afirmou.

Lula não falou o que pensa

Meu avô dizia que quando um político diz sim, faça a interpretação ao contrário. Ele está afirmando que não. E vice-versa. Nunca se sabe quando um homem público manifesta verdadeiramente o que pensa e o que quer fazer ou deixar de fazer. Lembrei-me disso ao ver a cara de pau do presidente Lula afirmando que não vai rifar a pré-candidatura da deputada Tabata Amaral (PSB) à Prefeitura de São Paulo.

Mas vai sim. São Paulo é prioridade absoluta de Lula. Ele quer eleger Guilherme Boulos, pré-candidato do PSol, de todo jeito. O presidente não enxerga nenhuma importância na eleição de uma capital este ano, com exceção de São Paulo, porque a capital paulista vai se transformar na eleição municipal um território a reverberação de um terceiro turno presidencial, a polarização entre o lulismo e o bolsonarismo.

O próprio Lula, na mesma entrevista, deixou isso bem claro. “A nossa prioridade na eleição é derrotar o bolsonarismo. Será maravilhosa a disputa política democrática”, afirmou. E este será o tom e o mote da campanha pela Prefeitura de São Paulo. Para não ser derrotado pelo bolsonarismo, traduzido na reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB), o presidente fará de tudo.

Se Tabata crescer e ameaçar a eleição de Boulos, Lula muda imediatamente o seu discurso. Até porque ele quer todo mundo junto para destroçar o bolsonarismo numa capital ainda com uma enorme densidade eleitoral de seguidores e admiradores do ex-presidente da República. Se Tabata insistir com o seu projeto, as consequências têm um endereço certo: o prefeito do Recife, João Campos (PSB), candidato à reeleição.

Namorado de Tabata, João evitou ir ao seu pré-lançamento da candidatura dela na semana passada, assim como o vice-presidente Geraldo Alckmin, hoje a principal liderança do PSB no plano nacional. Ficou clara a leitura da ausência deles: não contrariar Lula, o maior cabo eleitoral de Boulos.

Acredite se quiser – “Se a Tabata for candidata e o Boulos for candidato, quem for melhor e for para o segundo turno, eu apoiarei. Se os dois forem para o segundo turno, aí sim vai ter divergência, mas o que precisamos é derrotar o bolsonarismo na cidade de São Paulo”, disse Lula, tentando minimizar o impacto da divisão do bloco de esquerda do maior colégio eleitoral do País.

Barganha no passado, barganha agora? – Em 2022, o PT e Lula adotaram uma estratégia de barganha para tirar Márcio França (PSB) da disputa pelo Governo de São Paulo e favorecer a candidatura de Fernando Haddad (PT). França tentou uma vaga no Senado, mas, como Haddad, não foi eleito. Depois, ganhou o cargo de ministro de Portos e Aeroportos no governo. Entretanto, foi realocado no ano passado. Hoje, é ministro de Empreendedorismo. O que se ouve nos bastidores é que, para tirar Tabata da briga com Boulos, a ela seria oferecido o Ministério da Ciência e Tecnologia, tendo em vista que a titular Luciana Santos irá renunciar para disputar a Prefeitura de Olinda.

A cobra vai fumar – Ao tomar conhecimento das declarações do presidente Lula, dando a entender que a eleição em São Paulo será um terceiro turno no enfrentamento ao bolsonarismo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que a cidade não é ringue. Em referência à Prefeitura de Recife, o presidente disse que “se tiver (um candidato apoiado por Bolsonaro na disputa), vai pegar, a cobra vai fumar”.

Mandato de Moro sob risco – O desembargador Luciano Carrasco Falavinha Souza, do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR), liberou as duas ações que podem levar à cassação do senador Sérgio Moro (União). Ele pede que os processos sejam incluídos na pauta para julgamento após o recesso, na “primeira data possível”. Cabe à presidência do TRE definir o dia. As ações que pedem a cassação de Moro são movidas pelo PL e pela Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV). Se for condenado, o ex-juiz da Operação Lava Jato perde o mandato e pode ficar inelegível.

Raquel pé-frio – O setor de turismo em Pernambuco deve faturar R$ 1,3 bilhão no período do carnaval, de acordo com dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Segundo o levantamento, esse valor é 1,8% maior que o de 2023, o que indica que o Estado teve o menor crescimento percentual do Brasil para o período festivo. Nunca o Estado, com imagem de fazer o melhor carnaval do País, terá uma festa tão fraquinha em termos de invasão de turistas.

CURTAS

ARCOVERDE QUEBRADA – A Receita Federal cortou, ontem, R$ 1.657.484,56 do FPM de Arcoverde, a 250 km do Recife. Com as deduções da saúde e educação, restou aos cofres da Prefeitura apenas R$ 49.196,56. Com isso, quem vai pagar o pato são os servidores, que podem ficar sem seus salários.

MAIS UMA MARCHA – A Confederação Nacional dos Municípios já começou a organizar a XXV Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, marcada para 20 a 23 de maio. A entidade está orientando os prefeitos a correrem para encontrar vagas em hotéis, já praticamente lotados. A marcha do ano passado atraiu 10 mil participantes.

MUDANÇA EM CAMARAGIBE – O fim da era da prefeita Nadegi (Republicanos) pode estar bem próximo em Camaragibe. Do bloco da oposição, o pré-candidato que se apresenta com maior densidade eleitoral é o juiz Luiz Rocha, recentemente filiado ao PP. Além de popular, tem uma larga folha de serviços prestados ao município. O povo parece inclinado a fazer uma experiência com alguém do Judiciário.

Perguntar não ofende: Quando Lula vai deixar de blefar em relação às eleições em São Paulo?