Sob o argumento de que quer “ressignificar” o papel de primeira-dama, Janja participa de reuniões do presidente com ministros, impõe medidas para as áreas econômica, social e política, dá palpite sobre o relacionamento com os militares e afasta Lula de deputados e senadores.
O Estadão apurou que a primeira-dama tem interferido em questões de governo, especialmente na publicidade, indo além de meras opiniões sobre peças de campanhas e com poder de veto. Janja determina mudanças, trocas e até barra campanhas importantes. Se ela não gostar, a propaganda não vai adiante.
Foi a primeira-dama, por exemplo, que barrou uma proposta do PT de remunerar blogueiros alinhados ao governo. Havia pressão do partido e do próprio ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, mas a decisão final foi de Janja. Ela determinou que os blogueiros continuassem na militância, sem remuneração. A primeira-dama também defende uma comunicação mais voltada para as TVs abertas. O governo nega que Janja tenha interferência na área de comunicação ou publicidade institucional.
Um integrante do primeiro escalão disse ao Estadão que Janja atropelou o rito de conversas com a equipe econômica ao fazer um pedido expresso para redução dos juros do cartão de crédito.
Auxiliares da Fazenda foram destacados para tocar a medida. Todos temem, no entanto, falar abertamente sobre Janja. “Me tira dessa” ou “Imagine se eu falar alguma coisa” são as frases mais ouvidas quando o assunto se refere à primeira-dama.
Insatisfação
Pelo relato de um interlocutor do Planalto, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, comentou numa reunião com Lula sobre a crise na articulação política. Ao fim do encontro, a primeira-dama o acompanhou até a porta. Na despedida, Janja pediu a ele que não levasse mais aquele tipo de problema para o presidente. Procurado, Dias também negou o diálogo. “Estranho essa história. Nunca houve este diálogo. Costumo receber os problemas e levar solução. Levo ao presidente apenas o que depende de sua decisão”, disse por meio da assessoria.
Outro interlocutor contou que o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), procurou Lula para alertá-lo sobre a insatisfação de companheiros com as atitudes de Janja. O presidente teria dito, então, que ele não deveria mais repetir a crítica, caso quisesse preservar uma amizade de décadas.
A assessoria de Wagner disse que o senador e a mulher, Fátima, têm “as melhores relações” com Janja. “Não há nenhum fundo de verdade nesse tipo de comentário, nesse tipo de ilação. O senador está absolutamente indignado com isso”, afirmou a assessoria.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, encabeça a lista dos auxiliares de Lula que, em conversas reservadas com aliados, demonstram insatisfação com interferências da primeira-dama. No círculo restrito de Costa há o entendimento de que Janja prejudica a interlocução política ao impedir que o presidente almoce com parlamentares e use mais o fim de semana para dar atenção aos representantes da base aliada.
“Ele está sem tempo para fazer política, que era o seu diferencial”, diz um deputado do PT, resignado, sob a condição de anonimato.
A reclamação pode soar como a de alguém que reclama que a mulher do amigo não o deixa sair de casa. Os petistas, porém, costumam lembrar que, nos seus dois primeiros mandatos, Lula almoçava no gabinete com convidados políticos e gastava tempo para agradar especialmente ao baixo clero da Câmara.
Os políticos antigos de Brasília também se recordam de um pensamento do ex-vice presidente Marco Maciel. Dizia ele que um presidente sem tempo para “namorar” deputados, especialmente os sem expressão política, tinha vida difícil no Congresso.
Militares
Após a invasão às sedes dos três Poderes e a tentativa de golpe pelos bolsonaristas, no dia 8 de janeiro, Janja fez críticas ao titular da Defesa, José Múcio Monteiro, em reunião com a presença de outros ministros. Ela o acusou de não “proteger” o presidente como deveria.
No dia dos atos golpistas, Múcio chegou a propor que Lula baixasse um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para conter o vandalismo. O presidente estava em Araraquara e, ao ouvir a sugestão de Múcio, feita por telefone, Janja reagiu: “GLO não! GLO é golpe! É golpe”.
Interlocutores de Lula relatam que Janja já deu respostas ríspidas a Múcio, em cenas descritas como constrangedoras. Recentemente, contudo, a primeira-dama teria começado a se aproximar dele.
Petistas que atuaram como ponte entre Lula e a caserna reclamaram várias vezes que Janja contribuía para manter o clima de tensão entre o governo e as Forças Armadas. A primeira-dama teve participação decisiva para que o presidente criasse uma secretaria para cuidar da segurança dele e da família. O órgão é chefiado pelo secretário Alexsander Castro de Oliveira, delegado da Polícia Federal, chefe da segurança do petista na campanha.
Antes, a função era do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), formada por militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. No próximo dia 30, Lula terá de decidir se torna a secretaria permanente ou se devolve sua segurança pessoal para o GSI.
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