O argumento dos petistas era de que seria um estelionato eleitoral fazer a campanha com a promessa de revogar o teto de gastos e escolher, para conduzir a Fazenda, um nome que o tivesse defendido ou até implementado – caso de Meirelles. O anúncio de que Haddad assumiria o posto foi recebido com ceticismo e frieza.
Com o entorno de Lula, no entanto, mais crítico às políticas econômicas conservadoras, com Aloizio Mercadante no BNDES e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, com poder junto ao Planalto, a percepção sobre Haddad passou a mudar. Na visão de um executivo do setor financeiro, chega a haver uma “torcida” por Haddad, dada suas posições mais “moderadas” na área econômica.
Na formação de um governo com “menos Meirelles e mais Gleisi”, como define outro agente do mercado financeiro, o atual ministro é hoje visto como um resistente contra políticas mais lenientes em termos fiscais — o que desagrada ao PT, mas agrada a Faria Lima.
“O ministro tem tido uma conduta muito responsável e tem procurado ser sensível às preocupações do mercado”, afirma Ricardo Lacerda, fundador e CEO do banco de investimento BR Partners. “A situação não é simples, dado o conflito da política fiscal expansionista do governo, com enorme apetite para aumento de gastos, e a necessidade do Banco Central de manter uma disciplina monetária. Mas eu diria que hoje Haddad é muito mais parte da solução do que do problema”, diz Lacerda, que declarou voto no ex-presidente Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições.
Haddad passou a ser visto, também, como a única voz a contrariar Lula, em batalhas que ora ganha, ora perde. Com isso, tem tido o esforço reconhecido entre empresários e banqueiros. A avaliação predominante entre atores econômicos ouvidos é a de que Haddad está em um ambiente político difícil, pressionado pelo Congresso e pelas diferentes correntes do PT que puxam o governo para a esquerda, mas tem persistido em pautas importantes, como o desenho de um arcabouço fiscal.
Abertura ao diálogo
Também tem ficado de lado a percepção de que Haddad assume postura dogmática. Parte da resistência de integrantes do mercado vinha do que consideram um ar “professoral” do ministro. Na prática, no entanto, os que passaram a negociar com Haddad dizem que ele tem se mostrado aberto ao diálogo, curioso sobre os diferentes pontos de vista e que admite mudar de ideia.
Quando um grupo de empresários e advogados viajou a Brasília para discutir o retorno do voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), a sensação geral era de que haveria pouca disposição do ministro em revisar sua posição. Primeiro, cogitaram agendar um jantar com Haddad, mas foram avisados de que ele não aceitaria. Ficou acertada uma reunião no Ministério da Fazenda, a qual os presentes acreditavam que duraria 15 minutos. Ao chegar ao encontro, Haddad sentou-se e falou sobre sua conhecida avaliação sobre o Carf – a de que era necessário restaurar o voto de qualidade a favor do fisco e contra o contribuinte.
“Ministro, entendo seu ponto, mas discordo completamente”, disse um dos presentes. Haddad se dispôs a ouvir e a negociar, em uma reunião que durou quase duas horas, um acordo que fosse aceitável para contribuintes e União.
“A mim, me surpreendeu positivamente. Eu já sabia do bom histórico do Haddad na prefeitura de São Paulo, quando conseguiu reduzir de modo expressivo a dívida do município, abrindo espaço a investimentos. Mas, de todo modo, em meio a visões distintas dentro do governo Lula, está prevalecendo na economia, até este momento, a diretriz dada por ele. E essa diretriz é correta: responsabilidade fiscal intertemporal. Dependerá da execução? Sim. Seria bom apertar a regra no Congresso? Sim. Eu, particularmente, faria um programa fiscal com maior peso pelo lado da despesa, mas isso é minha avaliação”, afirma Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Renascença.
O economista afirma que o julgamento deve considerar o que foi prometido: “entregaram a reoneração da gasolina; desfizeram uma boa parte da bagunça da Lei Complementar 194, que legou um custo altíssimo aos Estados, inclusive acertando valores bem razoáveis de compensação; e conseguiram apresentar uma proposta boa de regra fiscal, em que pese, a meu ver, demandar aprimoramentos”.
Críticas
A crítica mais comum direcionada ao atual ministro é quanto à negociação com o Congresso. Um sócio de uma corretora de investimentos que preferiu não ser identificado pondera que há sinais de inabilidade por parte da equipe econômica no trato com o Congresso. Ele cita o exemplo da medida provisória sobre paraísos fiscais editada pelo governo no curso da discussão da reforma tributária, o que gerou críticas entre parlamentares.
Outro ponto mais controverso que envolve Haddad é o da discussão sobre a redução da taxa básica de juros, a Selic. Em mais de uma ocasião, o ministro, assim como o presidente Lula, criticou o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e as decisões do Comitê de Política Monetária de não cortarem a taxa. Sobre esse tema, um executivo da Faria Lima – que se diz “positivamente surpreso” com o ministro –afirmou que pode não interessar a Haddad, no momento, ser visto como alguém que mantém um relacionamento “construtivo” com o BC quando o próprio presidente da República não ameniza as críticas à autoridade monetária.
“O mercado tem sentimentos dúbios, ao que parece, pois havia uma expectativa grande sobre o que entraria no lugar do antigo teto de gastos”, diz Felipe Salto. “Mas, a julgar pelos indicadores de juros futuros e câmbio, a verdade é que se pode concluir, sim, que a gestão está sendo bem-recebida”, afirma o economista.
Procurado para comentar a avaliação do mercado sobre Haddad, o Ministério da Fazenda não se pronunciou.
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