“Foi assim a vida inteira, desde o seu primeiro mandato de deputado estadual, em 1967”, recorda Anna Maria Maciel, viúva dele, acrescentando: “Marco Antônio sabia até os nomes dos vereadores e histórias engraçadas que esses políticos contavam para ele. Eu ficava de queixo caído e me perguntando: como ele consegue lembrar o nome de todo mundo?”
Mas o tempo se encarregou de escrever outra página na vida de Marco Maciel: a da era do esquecimento, que se instalou e mudou seus hábitos com a doença de Alzheimer, um tipo de distúrbio cerebral que causa problemas de memória, pensamento e comportamento. É uma enfermidade neurodegenerativa crônica e a forma mais comum de demência. Manifesta-se lentamente e vai-se agravando ao longo do tempo.
O sintoma inicial mais comum é a perda de memória a curto prazo, com dificuldades em recordar eventos recentes. Os primeiros sintomas são geralmente confundidos com o processo normal de envelhecimento ou manifestações de estresse. À medida que a doença evolui, o quadro de sintomas inclui dificuldades na linguagem e uma completa desorientação, alterações de humor, perda de motivação, desinteresse por cuidar de si próprio, desinteresse por tarefas cotidianas e até comportamento agressivo.
Em grande parte dos casos, a pessoa com Alzheimer afasta-se progressivamente da família e da sociedade. Gradualmente, o corpo vai perdendo o controle das funções corporais, o que acaba por levar à morte. Embora a velocidade de progressão possa variar, geralmente a esperança de vida após o diagnóstico é de três a nove anos.
A doença de Alzheimer é a causa de 60–70% dos casos de demência. Pensa-se que 70% do risco seja de origem genética com vários genes implicados. Entre outros fatores de risco estão antecedentes de lesões na cabeça, depressão e hipertensão arterial.
Com Marco Maciel, morto pelas consequências da doença em 2021, depois de dez anos de sofrimento, a causa genética pesou muito: dois irmãos foram acometidos pelo mesmo mal. Aliados do ex-senador e familiares desconfiaram de mudanças no seu comportamento faltando dois anos para o final do seu último mandato, o de senador, encerrado em dezembro de 2010, quando disputou a reeleição, mas foi derrotado. Aliás, a primeira e única derrota política em mais de 50 anos de vida pública.
“Durante a campanha, eu percebia que ele ficava nervoso com tudo, mas para perceber que alguma coisa estava afetando ele era difícil. Meu marido era um túmulo. Não sei dizer se era tranquilo ou controlado. Diferente de mim, que sou explosiva. No dia que eu me zango, viro bicho. E ele estava acostumado com isso. Tinha hora que ele tinha medo de mim. Ele dizia que eu era feito uma jararaca, só mordia na jugular”, diz Anna, entre choro e riso.
“Mas a gente via que a coisa não estava da mesma forma de outras campanhas. Ele se mostrava indiferente. E quando a gente chamava atenção, ele ficava irritado. Mas como em toda a vida ele acertou nas campanhas, a gente ficava sem querer se envolver. Mas de fato ele não estava bem. Mas não foi só isso que nos despertou. Na derrota, ele voltou para o Congresso, e, aparentemente, estava bem. Mas quando terminou o mundo político para ele, que entrou na rotina caseira, piorou”, recorda Anna.
Segundo ela, no carnaval do ano seguinte, em 2011, veio a desconfiança de que algo grave estava acontecendo na vida de Marco Maciel. “Lembro que o dia estava lindo, cheguei no quarto e ele estava deitado. Eu disse para ele levantar, para a gente sair, e saímos. Mas aquilo não bateu bem na minha cabeça. Aí fiz uma ligação para os filhos e disse que não estava gostando do comportamento dele. Eu pensei que era uma depressão, não passou pela minha cabeça que fosse Alzheimer”, disse.
E contou mais detalhes, num longo depoimento a este escriba, em Brasília: “E aí fomos para São Paulo. O médico recebeu Marco Antônio e depois me chamou. Ele disse que Marco estava com depressão e que talvez tivesse algo mais. Ele fez um tratamento de quatro meses. Voltei depois dos quatro meses, e ele me mandou para outro médico, especialista no assunto de Alzheimer. O médico fez um teste tão tolo, que eu morro de medo, que era desenhar um relógio. E no teste, Marco Antônio não conseguiu colocar a hora pedida, de 15h50. Fizemos outro teste e deu Alzheimer”.
“Até 2014, a doença evoluiu negativamente, porque, como era político, as pessoas perguntavam sobre fatos históricos e Marco Antônio não conseguia lembrar. Ele percebia o esquecimento e ficava constrangido. No fim de 2014, ele não quis mais sair, só para consultas e coisas corriqueiras”, acrescentou.
Anna Maria, entretanto, nunca revelou ao marido o diagnóstico. “Os médicos dizem para não falar. E a gente não sabe se ele morreu sabendo que estava com Alzheimer. O triste é ver que a pessoa morre aos poucos. É muito triste. Foram dez anos desde o diagnóstico”, desabafou. Foi a própria Anna que enfrentou o calvário do marido por longos dez anos, com muito amor e dedicação.
“As pessoas têm muito preconceito com o Alzheimer. Acham que a pessoa começa a falar um monte de bobagem e fica desligado do mundo. Com meu marido não foi assim. Ele continuou sendo o mesmo homem educado com todos, sempre cheiroso e limpo como sempre gostou de estar”, acrescenta.
Chefe de gabinete de Marco Maciel na Vice-Presidência da República e nos ministérios de Educação e Casa Civil, o professor carioca Roberto Parreira esteve na rotina do chefe por longos 15 anos. Até hoje, Parreira lembra do dia que teve uma baita desconfiança que a saúde de Maciel não andava bem.
“Certo dia fui ao Senado e ele pediu para escrever alguma coisa, como sempre fazia, mas passou muito tempo escrevendo e reescrevendo e quando peguei o papel para ver o texto ele havia colocado coisas que não tinham nada a ver com o tema”, disse. Parreira esteve com Marco Maciel pela última vez antes da sua primeira internação em decorrência da doença. “Foi antes de ele começar a ir para o hospital. Mas não sei se ele me reconheceu, porque não falava nada, nem sinalizou qualquer coisa. Foi uma das coisas que me fez sair, era muito difícil”, disse.
Amigo e aliado político do ex-senador, o então deputado federal Vilmar Rocha, do PFL de Goiás, passou um tempo da sua vida convivendo quase que diariamente com Marco Maciel. Ao lado dos senadores Jorge Bornhausen (SC) e Guilherme Palmeiras (AL), Vilmar era um dos que gozavam da intimidade do político pernambucano. Chegou a coordenar, inclusive, a campanha de Maciel para presidente, no Colégio Eleitoral, em 85.
“Convivi com Marco também no estágio inicial da doença. Nos últimos anos dele em atividade, Anna Maria acompanhava ele para tudo, por recomendação médica, até nos jantares, só com homens, ela me pedia para cuidar dele. Eu comecei a desconfiar quando ele não soube preencher a ficha de entrada num hotel, em São Paulo. Quando percebi ele meio aéreo, ajudei e ele só fez assinar a ficha”, recorda.
Segundo Vilmar, no elevador, até o número do andar, Maciel não soube apertar. “Eu convivi com ele nessa época sem estar ainda confirmada a doença. Ana Maria não largava ele para nada. A gente ia jantar, e ele ficava muito calado ou vinha com assuntos fora do contexto da conversa. Depois, começou a ficar deslocado de tudo”, acrescentou.
Marco Maciel não foi o primeiro nem será o único vítima de um processo tão doloroso. Dados do Instituto Alzheimer Brasil (IAB) estimam que existam mais de 45 milhões de pessoas vivendo com demência no mundo e que esse número deve dobrar a cada 20 anos. Apenas no Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acredita-se que quase dois milhões de idosos têm demências, sendo que de 40 a 60% são do tipo Alzheimer.
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