Capítulo 9
O deputado Ulysses Guimarães, ao lado de Marco Maciel, era um dos mais fervorosos presidencialistas. Na Constituinte de 1988, assumiu um discurso que parecia intransponível, mas a turma do “Clube do Poire”, uma bebida doce que Doutor Ulysses, como era chamado, gostava de degustar no Piantella, em Brasília, fez ele mudar de convicção, aderindo ao parlamentarismo. Do clube, participavam, dentre outros, Renato Archer, Severo Gomes, Pedro Simon, Pacheco Chaves, Carlos Sant’Anna, Fernando Lyra e Heráclito Fortes.
Marco Maciel confiava cegamente nas convicções presidencialistas de Ulysses. Num determinado dia, recebeu um telefonema dele, o Doutor Ulysses, “para tomar um uísque” na casa do então senador Severo Gomes. Maciel não bebia, Ulysses sabia. Mas foi só um pretexto. Nesse dia, entre um uísque e outro, Ulysses Guimarães teria assumido o compromisso, apesar de “constrangido”, de se engajar ao grupo parlamentarista para mudar o regime durante a discussão da Constituinte, que o próprio Ulysses presidiu e a proclamou como “Constituição Cidadã”.
Leia mais“Olha, com essas discussões, eu sou presidencialista mas você sabe, estou sendo muito pressionado (pelo partido) e queria rever a posição. Queria colocar isso”, disse Doutor Ulysses, em direção a Maciel. Em resposta, Ulysses e Severo Gomes ouviram a seguinte colocação: “Tá bom Doutor Ulysses, só queria fazer uma colocação para o senhor: eu continuo na mesma posição, não tenho como me afastar mesmo porque já fiz uma mobilização”.
No dia seguinte, Marco Maciel retornou ao Congresso e deu ciência ao também senador e presidencialista Humberto Lucena (PMDB-PB) sobre o teor da conversa. Lucena já tinha colhido assinaturas de apoio a uma emenda constitucional para preservar o sistema presidencialista. A decisão foi “cair em campo” para acelerar o debate sobre o assunto e garantir a vitória do atual sistema de governo uma vez que, como relata Maciel, “o Doutor Ulysses estava do outro lado”.
O senador pernambucano ainda chegou a ser sondado sobre o assunto, numa segunda vez, pelo então deputado Franco Montoro (PMDB-SP), outro parlamentarista por convicção. Na conversa, Montoro apresentou-lhe a tese de um parlamentarismo com características presidencialistas. “Um presidencialismo parlamentarizado ou um parlamentarismo presidencializado”, resume Maciel. Mais uma vez, Maciel disse não e saiu em defesa da manutenção do regime presidencialista.
Mas a Constituição Cidadã acabou aprovando uma legislação tipicamente parlamentarista para um regime presidencialista. Marco Maciel morreu com a convicção de que o processo institucional continuará vivendo sucessivas crises até que se realize uma efetiva reforma política. “Esse é o maior desafio, institucionalizar o país, fortalecer as instituições. Não adianta a gente acreditar que vai melhorar o país sem fazer essas reformas. A sociedade já começou a perceber isso”, disse em reiteradas entrevistas.
“Mesmo quando situados em posições políticas opostas sempre admirei em Marco Maciel a rigorosa fidelidade aos seus princípios e ideias. Exemplo marcante dessa coerência é a defesa firme e intransigente que fez da manutenção do sistema presidencialista de governo que, segundo ele, deve ser aperfeiçoado por uma ampla reforma político-partidária. Tendo exercido cargos da maior relevância no Congresso, inclusive o de presidente da Câmara, certamente no regime parlamentarista teria seu nome cogitado para primeiro-ministro. Mas Marco Maciel resistiu à tentação não se travestindo de parlamentarista na busca do proveito próprio, atitude tão comum no País”, disse o senador Jarbas Vasconcelos.
Numa outra etapa da vida da vida nacional, já no Plebiscito de 1993, Marco Maciel foi um dos líderes da Frente Presidencialista Republicana. O plebiscito ganhou destaque nos principais jornais e revistas do país. A propaganda eleitoral foi transmitida pelos canais de televisão e pelas estações de rádio, apresentando ideias antagônicas e que o eleitor certamente não estava acostumado a ver, especialmente no caso dos monarquistas, que se diziam preparados para reinar e acabar de vez com a pobreza no Brasil.
Em uma das campanhas veiculadas na televisão, um dos concorrentes ao trono perguntava ao espectador se ele não estava cansado de ver o Brasil liderar o ranking de desigualdade social no mundo, para em seguida sugerir que a culpa era do modelo republicano de governar. Mesmo sem ter chances reais de mudança no cenário político brasileiro, o plebiscito tirou a família real brasileira de um anonimato de 104 anos.
Pela primeira vez desde a proclamação da república, os monarquistas da família real brasileira encontravam um meio para falar e se mostrar para o povo brasileiro. Mas eles se mostraram rachados, entre o ramo de Petrópolis e o de Vassouras, divisão que persiste até hoje. Com o slogan “Vote no Rei”, muitas pessoas, desiludidas com o Brasil pós-Impeachment de Collor, chegaram a acreditar na possibilidade real de chegar ao poder.
Do outro lado, estavam duas frentes. A “Frente Presidencialista, formada pelos principais partidos políticos da época (PT, PFL, PMDB e PTB) e a “Frente Parlamentarista” (PSDB). Em uma das aparições da Frente Presidencialista na propaganda eleitoral, Leonel Brizola defendeu que o plebiscito não passava de uma manobra das elites: “O que querem essencialmente é evitar, é impedir as eleições de 1994. Eles temem as eleições. Eles quem? As oligarquias, as elites privilegiadas que levaram o nosso país a essa situação em que ele se encontra”, disse.
Rechaçando o parlamentarismo, onde o voto para quem dirige o país é indireto, o slogan da Frente Presidencialista era “Diretas Sempre”, fazendo referência ao movimento histórico das Diretas Já. Já a bancada parlamentarista, apostava na memória da ditadura como um argumento de base. A atriz Neuza Borges, que fazia aparição na campanha desta Frente, dizia que conhecia bastante o presidencialismo e, exatamente por isso, não o queria nunca mais.
Em outro vídeo parlamentarista, um texto dizia: “É isso que a Frente Parlamentarista Ulysses Guimarães (“Parlamentarismo Já, você só tem a ganhar”) vem garantir a você. O direito de voltar atrás. Em caso de vitória do Parlamentarismo, após quatro anos, haverá uma nova consulta popular. Se você não estiver satisfeito, pode voltar atrás“. Taxavam o presidencialismo corrupto, vendido e pouco transparente.
No fim, o resultado não surpreendeu. O regime republicano foi mantido, bem como o presidencialismo. Os números da vitória eram expressivos: como forma de governo, 49,2% dos eleitores votaram na manutenção da República e apenas 7,5% na Monarquia. O restante dos votos, pouco mais de 40%, foram brancos, nulos ou referentes a abstenções. Já quanto ao sistema de governo, o presidencialismo ganhou com 41,16% dos votos, ao passo que o Parlamentarismo obteve 18,3%. Brancos, nulos e abstenções somaram os outros pouco mais de 50%.
O presidencialismo é um sistema político em que o chefe de governo eleito é chefe de Estado, organiza os cargos nos Ministérios e comanda o Executivo, que é independente do Legislativo e do Judiciário. Ainda, é comum denominar o caso brasileiro como um presidencialismo imperial, dados os grandes poderes e o poder simbólico que um presidente da República possui.
As convicções presidencialistas de Marco Maciel tinham bases sólidas. Segundo se expressava, tanto as Constituições de 1891, 1934, 1946 e 1988, quanto os plebiscitos de 1963 e 1993 reiteraram o desejo popular de um sistema presidencialista. Por isso, não via razão para um novo plebiscito. Para ele, a decisão do povo não deve mais ser discutida, citando o filósofo alemão Kant: “O povo reunido não representa simplesmente o soberano, ele é soberano”.
No sistema parlamentarista, na visão macielista, os poderes Legislativo e Executivo fundem-se na figura do primeiro-ministro, criando apenas dois poderes na República e, por isso, seria inconstitucional tentar implantá-lo. “Não vejo como viabilizar política e juridicamente a reimplantação do parlamentarismo por via de emenda constitucional”, defendia.
Veja amanhã:
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