Afogados da Ingazeira, solo sagrado da minha nascença, é vanguardista na radiofonia no Sertão. Pioneira nas ondas do rádio AM em terras euclidianas, a Rádio Pajeú rompeu o isolamento imposto pelos grandes centros urbanos aos que pagaram o preço caro da discriminação por ter vindo ao mundo em plagas tão distantes. Botou música e notícia no rádio a partir de 4 de outubro de 1959 pelo bispo vanguardista Dom Mota.
Minha cidade é amostrada, como diz o matuto. Também saiu na frente na abertura das cortinas da sétima arte. Fundado em 23 de novembro de 1942, pelo comerciante Helvécio Lima, o Cine São José tem 82 anos. Na época a cidade sequer contava com uma rede elétrica. Seu Helvécio inovou: comprou um gerador próprio para garantir as sessões em dias de feira.
Leia maisNa década seguinte, o cinema foi vendido à Diocese Bom Senhor Jesus dos Remédios, representação da Igreja Católica no Sertão do Pajeú. Administrado pela igreja e por alguns arrendatários, não resistiu ao modismo da TV e chegou a fechar. Deteriorado, seu prédio ficou em ruínas, mantendo apenas a estrutura das paredes externas.
A partir de 1994, através de um movimento liderado pelo meu irmão Augusto Martins, hoje secretário de Cultura do município, o cinema renasceu, com um projeto cujas obras preservaram sua fachada original. A reinauguração se deu em 2003. Até hoje o cinema está vivinho e, de vez em quando, vou lá pegar uma telinha para matar a saudade dos velhos tempos de Tarzan e os cowboys americanos.
Afogados da Ingazeira também foi vanguardista na introdução do cinema pornô. Olavo Vitorino Moura, apelidado de Olavo Corró, baixinho, metido a cavalo do cão, enfrentou o conservadorismo da sociedade afogadense e abriu um cinema para concorrer com o cine São José.
Mas só exibia filmes para maiores de 21 anos explorando o sexo em toda sua plenitude. Menores como eu e meu irmão Marcelo, parelha de infância e adolescência em Afogados da Ingazeira, subíamos no telhado das casas vizinhas para curiar os filmes pornôs.
Olavo foi um revolucionário. Passou por cima de todas as regras da lei do conservadorismo de uma sociedade feudal com seu cinema pornográfico, que visava exclusivamente o estímulo da sexualidade humana. Foi discriminado, perseguido, xingado e apontado como pornográfico, um fora da lei.
Por vezes, os telespectadores atraídos para os filmes pornôs de Olavo Corró chegavam a se masturbar ou até mesmo a praticar sexo dentro da sala de exibição. Olavo pagou um preço caro. Quando isso se espalhou na cidade, seu cinema foi censurado e fechado.
Olavo, coitado, queria apenas ser diferente. Os filmes pornográficos existem desde a época do cinema mudo, e eram usualmente rodados em bordéis. Em 1970, nos Estados Unidos, o cinema pornô ganhou forte impulso, graças à eliminação do Código das Produções e à instituição da classificação de filmes por faixa etária, deixando de ser um produto do submundo criminal e se constituindo numa indústria publicamente instalada.
Passaram a ser exibidos em cinemas próprios, conhecidos por “Salas Especiais”. Nessa época, alguns filmes entraram para a história, como Garganta Profunda (ou “Garganta Funda”, como ficou conhecido em Portugal), O Garanhão Italiano, Atrás da Porta Verde e O Diabo na Carne de Miss Jones, que foi uma superprodução para a época.
Olavo, ainda lembro, fez grande sucesso com o Garganta Profunda!
Leia menos