Afogados da Ingazeira, meu solo esturricado de origem no vasto e sofrido mundo euclidiano, está de luto. Deus chamou para seu reino eterno Marcone Edson, pioneiro no uso de carro de som publicitário na cidade.
Figura divertida e folclórica, até por exagerar no verbo solto da alegria nos causos que contava, mais para ficção do que realidade nua e crua, Marcone era primo legítimo, filho de uma pulada de cerca do meu tio Paulo Cerquinha, irmão do meu saudoso pai Gastão Cerquinha.
Leia maisAntes de introduzir na cidade o protótipo do carro de som, isso no início da década de 80, Marcone fazia a nossa alegria cultural no Cine São José. Ao lado de Carrinho de Lica, aprendeu a manusear a velha máquina de projeção de filmes. Antigamente, os filmes eram exibidos utilizando dois projetores.
Enquanto um projetor passava o primeiro rolo do filme, o segundo ficava preparado para exibir o segundo rolo. Enquanto o segundo rolo era exibido, o terceiro rolo era colocado no primeiro projetor e assim por diante. Era uma trabalheira terrível, que só um técnico gabaritado como meu primo teve a paciência de Jó para aprender.
E quando a máquina quebrava, o cinema fechava por várias semanas à espera de um especialista enviado do Recife. Eclético, Marcone foi também sonoplasta da Rádio Pajeú. Conduzia com maestria as duplas mesas de som em disco vinil e quando a emissora saía do ar, como assim dizíamos em Afogados da Ingazeira, o primo também dava um jeito.
Era excepcional! Mas foi no carro de som que Marcone fez sucesso, ganhou fama e encontrou seu meio de vida. Anunciava de tudo: de nota de falecimento aos festivais de cerveja no clube Acaí, o Aero Clube de Afogados da Ingazeira. Não me pergunte o batismo do clube, porque nunca ali pousou um avião. Mas cidade do Interior tem dessas coisas!
Em épocas de campanha, Marcone alugava o seu carro de som a uma só corrente política, que vestia a camisa, para deixar o adversário na mão, porque a cidade não tinha ninguém para concorrer com ele.
Fiquei triste com a partida do meu primo. A última vez que o encontrei, me revelou ser ouvinte de carteirinha do Frente a Frente, programa que apresento pela Rede Nordeste de Rádio, transmitido em Afogados da Ingazeira pela Rádio Pajeú.
De coração dolorido, fico com a certeza de que, agora com a ausência de Marcone, encontramos sua presença mais profunda entre nós, por tudo que construiu para enriquecer a história de personagens inesquecíveis da nossa terrinha. Os que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós.
A dor da despedida é o tributo que pagamos pelo privilégio de amar. A vida pode ser efêmera, mas o amor é eterno!
Em tempo: a ilustração deste texto atende pelo nome de Edgley, chargista talentoso do meu Sertão.
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