Gabriel Garcia*
O ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill passou noites em claro, iluminado pelos torpedeiros da Luftwaffe, a força aérea nazista, em busca de discursos que pudessem unificar o Reino Unido no combate ao ditador Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. Com Londres em chamas, escolhia minuciosamente cada palavra, por vezes recorrendo ao dicionário, para convencer os aliados – e os adversários – da importância de derrotar o sádico que exterminou mais de 6 milhões de judeus.
Dono de uma oratória inigualável, o Velho Buldogue tinha convicção, entre uma baforada no charuto e uma dose de uísque, vícios que os acompanhavam religiosamente, que precisaria das letrinhas para fazer frente à estrondosa campanha publicitária de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda da Alemanha – que balançou até parte do Parlamento britânico.
Leia maisNo Brasil, guardadas as devidas proporções, os bons exemplos não costumam ser levados em consideração. Temos visto em duas décadas a comunicação como arma de desconstrução e desinformação, destinada à exaltação do governante do momento. Esquece-se do princípio da impessoalidade previsto na Constituição Federal.
Nesse período, dois líderes carismáticos e populares arrastaram multidões por onde passaram, monopolizando as cores vermelha, verde e amarela. Uma luta constante do bem contra o mal, da esquerda contra a direita. De alguma forma, o brasileiro se acostumou a ter um corrupto de estimação, desprezando o conselho do ex-presidente Juscelino Kubitscheck: “Quero apenas ressaltar que recusamos a opção entre direita e esquerda. A humanidade não marcha para os lados, marcha para frente.”
Em uma dessas marchas laterais, o ex-presidente Jair Bolsonaro experimentou uma máquina poderosa de informação (ou desinformação, segundo seus críticos), que lhe rendeu vitória em 2018, com um discurso de defesa da família e da liberdade. Rodado nas urnas, tendo sido deputado federal por quase 30 anos, faturou na sua primeira eleição à Presidência. E inovou ao transformar as redes sociais no principal instrumento de diálogo com seu eleitorado.
Ainda sob efeito épico da única vitória ao Palácio do Planalto, Bolsonaro conduziu de forma errática a pandemia, debochou das 700 mil vítimas fatais, inoculou nos brasileiros o vírus do ódio, dividindo o país entre apoiadores e detratores, e se enrolou na rachadinha – repasse ilegal de parte dos salários de assessores para o parlamentar – envolvendo sua família. Faltou-lhe fôlego para abater o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, que inaugurou em janeiro seu terceiro mandato presidencial.
Com parte da população incomodada com a guinada à direita, Lula ressurgiu após um período na prisão, condenação imposta no âmbito da Operação Lava Jato e revogada em seguida pelo Supremo Tribunal Federal, e venceu com a promessa de reunificar o país.
Ex-sindicalista, o filho de Garanhuns, cidade do interior de Pernambuco, conquistou adeptos com a forma simples de se comunicar com o eleitorado. Na primeira passagem pelo Planalto, recebeu a alcunha de pai dos pobres com o Bolsa Família, considerado o maior programa de transferência de renda do Brasil.
Lula quebrou recordes de popularidade, o que o levou a encerrar seu segundo mandato, em 2010, com aprovação de 87%. Porém, no governo, colecionou escândalos que levaram à descrença com a política petista: o mensalão, pagamento de propina a deputados da base aliada; os Aloprados, compra de dossiês contra adversários; e a Lava Jato, que desviou bilhões da Petrobras.
Agora, Lula estreia o segundo ano do terceiro mandato comparando o Holocausto, que tinha como claro objetivo dizimar os judeus da Europa e do mundo, com o massacre patrocinado por Israel na Faixa de Gaza contra os palestinos. Insiste na manutenção da divisão do Brasil. Embora ainda tenha quase três anos pela frente de governo, não parece disposto a cumprir a promessa de reunificar o Brasil. Churchill deu a senha: “A vida dá lições que só se dão uma vez”. Bolsonaro desperdiçou. Resta saber se Lula tirará algum ensinamento que não seja meramente eleitoreiro.
*Jornalista e articulista deste blog
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